Ciência e Tecnologia
BRICS pressionam por cooperação científica, mas sucesso está longe de ser garantido
China tem peso científico esmagador em relação a todos os outros membros. Ao mesmo tempo vários países do BRICS têm pouco interesse na livre investigação.
![Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de abertura da Primeira Reunião de Sherpas da Presidência Brasileira do BRICS, em fevereiro, em Brasília. Os sherpas são autoridades governamentais de alto escalão designadas por seus respectivos países para representá-los em negociações diplomáticas e trabalhos preparatórios que antecedem as cúpulas e reuniões do bloco. [Ton Molina/NurPhoto via AFP]](/gc4/images/2025/06/25/50938-brics-600_384.webp)
Por Andreia Lobato |
RIO DE JANEIRO – As ambições de liderança científica global dos estados-membros do BRICS podem esbarrar na realidade.
O Brasil assumiu a presidência rotativa de um ano do BRICS em 1º de janeiro, liderando o bloco em um momento de expansão e ênfase renovada na cooperação científica e tecnológica.
O nome do grupo representa seus primeiros membros: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
De Brasília, autoridades lançaram iniciativas com o objetivo de impulsionar a integração em áreas como inteligência artificial (IA), neurociência e ciência aberta, ao mesmo tempo em que reafirmam a relevância do bloco no cenário global.
![Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira (E), e ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, gesticulam na foto em grupo da reunião de chanceleres do BRICS no Rio de Janeiro, em 29 de abril. [Pablo Porciuncula/AFP]](/gc4/images/2025/06/25/50939-brics2-600_384.webp)
Mas por trás da retórica da colaboração, contradições levantam questões sobre a verdadeira natureza do projeto BRICS.
BRICS ampliado e mais ambicioso
O grupo admitiu cinco novos membros em 2024 (Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Irã e Arábia Saudita), refletindo esforços para estabelecer a aliança como um contrapeso global, inclusive em ciência e tecnologia.
A Indonésia se tornou o 11º participante em janeiro.
O Brasil atualmente vem liderando uma agenda repleta de mais de 100 reuniões ministeriais no primeiro semestre deste ano, que culminarão na cúpula do Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho. Oficialmente, o objetivo é fortalecer os laços entre os países do Sul Global e promover um modelo mais inclusivo de governança mundial.
Mas, por trás do discurso inclusivo, as iniciativas dos BRICS na ciência muitas vezes se alinham com interesses geopolíticos chineses e russos, em vez de um compromisso compartilhado com o conhecimento como um bem público.
O presidente russo, Vladimir Putin, por exemplo, propôs a criação de uma aliança internacional sobre inteligência artificial (IA) em um discurso em dezembro, posicionando os BRICS no centro da iniciativa. Seus comentários incluíram críticas ao domínio dos EUA na definição de padrões de IA.
Desequilíbrios de poder e cooperação contestada
Os membros do BRICS enfrentam profundas desigualdades. A China, potência científica e tecnológica do bloco, desempenha frequentemente um papel central, enquanto países como a Etiópia e até mesmo o Brasil encaram dificuldades com capacidades limitadas. Tais desequilíbrios podem transformar membros mais fracos em seguidores, em vez de verdadeiros parceiros, afirmam analistas.
O próprio conceito de ciência aberta, que o Brasil promove, enfrenta desafios dentro do bloco. Alguns Estados-membros restringem o acesso a dados, censuram publicações científicas ou perseguem pesquisadores.
Na China, existem vários relatos de censura em estudos que abordam tópicos considerados delicados pelo regime, como saúde pública, meio ambiente e política.
Já na Rússia, desde a invasão da Ucrânia, a colaboração científica com o Ocidente diminuiu drasticamente, inclusive com repressão a pesquisadores acusados de trabalharem com agentes estrangeiros.
Liderança brasileira sob pressão
Como presidente do BRICS em 2025, o Brasil busca fortalecer sua posição mundial e reforçar sua liderança no Sul Global. Mas o orçamento limitado para ciência e a dependência de acordos internacionais arriscam minar a autonomia do país.
Com a crescente influência da China sobre os rumos do bloco, o Brasil corre o risco de se transformar em um executor de agendas alheias, em vez de um formulador de estratégias próprias.
Apesar da retórica grandiloquente, o caminho para uma cooperação científica equitativa dentro do BRICS continua repleto de contradições e moldado pela geopolítica.