Energia

Parceria russa para lítio na Bolívia suscita preocupações quanto aos ganhos econômicos

Queda na produção de gás natural levou um desesperado governo boliviano a fazer acordos obscuros de lítio com a Rússia e a China.

Projeto da piscina de evaporito de lítio no Salar de Uyuni em Potosí, Bolívia. [Carlos Sánchez]
Projeto da piscina de evaporito de lítio no Salar de Uyuni em Potosí, Bolívia. [Carlos Sánchez]

Por Aurora Lane |

LA PAZ – Um novo contrato entre a estatal boliviana YLB e a empresa russa Uranium One Group para extração de lítio está gerando preocupações e frustração na Bolívia.

Críticos apontam para a falta de transparência e o ganho mínimo que a nação sul-americana obterá com o negócio, enquanto o país se debate com uma escassez de moeda estrangeira e um declínio constante na produção de gás.

O contrato para construção de uma planta de Extração Direta de Lítio (DLE) no Salar de Uyuni, assinado em 11 de setembro, veio a público no início de novembro após ser submetido ao Congresso boliviano para revisão.

O documento descreve os planos para as obras com um investimento de US$ 976 milhões. A previsão é de que o projeto passe por três fases, culminando em julho de 2027 com uma capacidade de produção anual de 14.000 toneladas de carbonato de lítio para baterias.

Larisa Lysova, representante do Uranium One Group, e Omar Alarcón, presidente da YLB, posam para fotos após a assinatura de um contrato de extração de lítio no valor de US$ 970 milhões em Potosí, na Bolívia. [Agência Boliviana de Informação (ABI)].
Larisa Lysova, representante do Uranium One Group, e Omar Alarcón, presidente da YLB, posam para fotos após a assinatura de um contrato de extração de lítio no valor de US$ 970 milhões em Potosí, na Bolívia. [Agência Boliviana de Informação (ABI)].

Os lucros da YLB só começariam depois que a produção anual ultrapassar 8.000 toneladas, estipula o contrato.

Esse atraso foi recebido com pouco otimismo na Bolívia, um país que enfrenta uma crise econômica marcada pela escassez de dólares e combustível.

A Bolívia precisa especialmente de novas formas de gerar moedas estrangeiras, já que sua produção e receita de gás natural continuam despencando.

Expectativas moderadas

As aspirações da Bolívia de substituir as receitas do gás por lítio "estão começando a desaparecer", relatou a consultoria Rodríguez & Baudoin em um artigo em novembro.

A empresa destacou a forte queda dos preços internacionais do lítio e observou que a “integração do lítio no mercado” pela Bolívia poderia levar de cinco a oito anos.

A YLB estima que as receitas anuais de vendas do projeto atingiriam US$ 415 milhões, um valor significativamente inferior às receitas de exportação de gás da Bolívia, que durante seu pico (2014-2015) quase atingiram US$ 6 bilhões por ano.

Mesmo durante o recente declínio, ultrapassaram os US$ 2 bilhões.

O analista de energia Mauricio Medinacelli destacou essa disparidade em uma postagem em 3 de novembro. "Este projeto é de 1/10 a 1/15 do montante das exportações de gás natural em seu pico e as expectativas em Potosí em relação à possível receita de royalties devem ser moderadas."

Espera-se que os royalties alocados a Potosí, o departamento produtor, sejam de cerca de 3%, conforme estipulado pela Lei de Mineração e descrito no contrato com a empresa russa. O Comitê Cívico Potosinista (COMCIPO) criticou essa porcentagem. O órgão havia antecipado um mínimo de 11%.

O contrato evidencia mais uma vez como a Bolívia "cai na armadilha da rendição", concedendo às empresas estrangeiras tratamento preferencial sobre seu potencial de produção, analisa José Carlos Solon, pesquisador da Fundação Solon, em entrevista ao Entorno.

A Rússia está posicionada por contrato como a principal compradora da produção da usina, colocando a Bolívia à sua mercê.

O Uranium One Group recuperará seu investimento inicial de US$ 976 milhões, juntamente com os custos operacionais, segundo o acordo.

Solon levantou preocupações sobre a ambiguidade em relação a termos do acordo. Permanece incerto se a empresa russa pagará preços de mercado ou com desconto pelo lítio.

Quatro outros detalhes do contrato entre a Bolívia e a Rússia não foram explicados, continua Solon.

São eles: contratos para "transferência de propriedade da planta piloto"; minúcias sobre "operação e manutenção da planta piloto", com duração de 20 anos; sobre vendas de carbonato de lítio para bateria para a Uranium One; e sobre "conciliação".

Autoridades governamentais devem fornecer aos legisladores uma explicação clara dos detalhes do pacto YLB-Uranium One Group, ressaltou ao Entorno Juan José Tórrez, parlamentar da oposição de Potosí.

Ele exigiu transparência sobre um investimento anterior de US$ 1 bilhão destinado à industrialização do lítio boliviano — um empreendimento envolvendo empresas chinesas que ainda não apresentou resultados tangíveis.

Impacto em populações indígenas

Em resposta às objeções de organizações bolivianas, foi realizada uma audiência em 15 de novembro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Washington, DC, Estados Unidos.

Durante a sessão, o Centro de Documentação e Informação da Bolívia (CEDIB) acusou o governo boliviano de falta de transparência nos projetos de extração de lítio com empresas chinesas e russas.

O CEDIB destacou inúmeras irregularidades e levantou preocupações sobre o impacto às populações indígenas.

Nos últimos 11 anos, o governo boliviano investiu mais de US$ 1 bilhão em projetos de lítio, destacou o diretor da entidade, Oscar Campanini, durante a audiência da CIDH, ecoando a observação de Solon.

No entanto, somente em 2024 um projeto realmente começou — um que ainda não apresentou resultados efetivos e violou direitos fundamentais da comunidade.

"Há um projeto que começou apenas este ano, operando com somente 20% da capacidade, assolado pela corrupção (...) e amarrado a novos contratos com empresas chinesas e russas", explicou Campanini.

Embora a extração de lítio tenha começado formalmente em 2024, o governo boliviano vem infringindo os direitos da comunidade há mais de uma década, continuou.

Campanini mencionou reclamações informais de comunidades locais sobre declínios significativos nos níveis de água em nascentes e poços.

Ele apelou à CIDH a pressionar o governo boliviano para estabelecer zonas livres de mineração, evitar alterar as estruturas regulatórias que protegem o meio ambiente e os direitos indígenas e proteger o direito a um meio ambiente saudável, entre outras demandas importantes.

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