Política

Bloqueios pró-Morales atingem celeiro da Bolívia

Bloqueios estabelecidos por apoiadores do ex-presidente Evo Morales, destinados a impedir sua prisão em conexão com acusações de estupro, transformaram o transporte na Bolívia em um calvário.

Pedestres caminham por estrada bloqueada por apoiadores do ex-presidente boliviano Evo Morales na entrada da cidade de Parotani, a 40 km de Cochabamba, na Bolívia. [Aizar Raldes/AFP]
Pedestres caminham por estrada bloqueada por apoiadores do ex-presidente boliviano Evo Morales na entrada da cidade de Parotani, a 40 km de Cochabamba, na Bolívia. [Aizar Raldes/AFP]

Por AFP |

COCHABAMBA, Bolívia -- Em um mercado atacadista no centro de Cochabamba, Bolívia, a agricultora Damaris Macias observa em prantos o descarte de 10 toneladas de tomates, retidos ​​por bloqueios de estradas há mais de uma semana.

Em um dia normal, sua cidade natal, Omereque, situada a 270 quilômetros de Cochabamba, fica a oito horas de viagem de caminhão.

Mas os bloqueios criados pelos apoiadores do ex-presidente Evo Morales para impedir sua possível detenção sob acusação de estupro transformaram a viagem numa odisseia de nove dias, durante os quais os produtos apodreceram.

“Só Deus sabe quantas lágrimas esses tomates causaram”, disse desolada à AFP a mulher de 48 anos.

Galinheiro em Cochabamba. O presidente boliviano, Luis Arce, exigiu o fim “imediato” de mais de duas semanas de bloqueios de estradas montados por apoiadores do ex-presidente Evo Morales em todo o país. [Aizar Raldes/AFP]
Galinheiro em Cochabamba. O presidente boliviano, Luis Arce, exigiu o fim “imediato” de mais de duas semanas de bloqueios de estradas montados por apoiadores do ex-presidente Evo Morales em todo o país. [Aizar Raldes/AFP]

Cochabamba, reduto político de Morales, é o berço das campanhas de bloqueios, que começaram em 14 de outubro, depois que ele foi acusado de estupro por seu suposto relacionamento com uma menina de 15 anos quando era presidente em 2015.

O antigo líder, tentando retornar ao poder, nega as acusações, dizendo que é vítima de "perseguição judicial" por parte do seu ex-aliado que se tornou rival, o presidente Luis Arce.

As tensões políticas aumentaram drasticamente na semana passada, com Morales -- que foi presidente de 2006 a 2019 -- acusando o estado de uma tentativa de assassinato, o que foi negado.

Comida estragada

Os confrontos entre seus apoiadores e as forças de segurança deixaram dezenas de feridos nos últimos dias.

Arce ordenou em 30 de outubro o fim “imediato” do “bloqueio antidemocrático e criminoso”.

Ele estimou o prejuízo dos bloqueios de estradas em mais de US$ 1,7 bilhão e apontou que eles estão "causando efeitos terríveis sobre as famílias", provocando a escalada dos preços dos alimentos e dos combustíveis.

Masias perdeu não apenas os tomates dela quando partiu para Cochabamba, mas também os de uma comunidade inteira do que ela chama de “pessoas pobres”.

“Eu tentei meu melhor para chegar aqui”, lamentou ela, ao lado de paletas de pimentões e vagens em decomposição.

Os quatro bloqueios de estradas registados em 14 de outubro aumentaram para 24 em todo o país, principalmente na área de Cochabamba, alegam as autoridades.

Desesperados para encontrarem uma rota alternativa para o mercado, os produtores de alimentos começaram a enviar seus produtos por avião.

Uma fila de clientes de 300 metros de extensão se formou em frente ao escritório de entregas da companhia aérea estatal Boliviana de Aviación em Cochabamba. Alguns entraram na fila antes do amanhecer.

“Estamos à procura de pontes aéreas para que nosso produto não estrague”, revela Christian Vrsalovic, um produtor de laticínios cujos custos de transporte aumentaram cinco vezes desde o início dos protestos.

Os bloqueios de estradas custaram apenas ao setor agrícola de Cochabamba cerca de US$ 20 milhões, estima a Confederação Nacional Agrícola da Bolívia (Confeagro).

“Cochabamba é o principal centro econômico do país”, destaca o vice-presidente da Confeagro, Rolando Morales, que não tem parentesco com Evo.

“Todas as exportações [de alimentos] de Santa Cruz passam por aqui a caminho do porto de Arica, no Chile, para gerar as divisas de que o país tanto necessita”, ressalta.

Santa Cruz é o departamento mais rico da Bolívia.

'Que caro!'

Num mercado em Cochabamba, Ana Luz Salazar alinha os frangos amarelos que não vendeu no final do dia.

Desde o início dos bloqueios, o preço das aves disparou de US$ 2 para US$ 3,40 por kg, fazendo com que as vendas despencassem.

“Os consumidores nos repreendem. Dizem 'que caro!'. Alguns não compram nada", conta a vendedora de 55 anos.

Nos arredores da cidade de 660.000 habitantes, na granja de propriedade do empresário Iván Carreón, de 48 anos, os vastos galpões estão quase vazios.

Os frangos e galinhas de Cochabamba são alimentados com soja e milho da capital regional, Santa Cruz, mas os protestos bloquearam as estradas para a cidade.

“Tivemos que vender 15 mil galinhas... para garantir ração balanceada para nossos outros lotes”, explicou Carreón.

Os produtores de carne bovina estão em situação ainda pior, já que a oferta de ração para o gado é extremamente escassa, alerta Rolando Morales, da Confeagro.

“Cochabamba, que costumava ser chamada de celeiro da Bolívia, permanece assim apenas no nome”, lamenta.

Gostou desta matéria?


Captcha *