Ambiente

Acordo chinês sobre usina de lítio desperta preocupações ambientais no Chile

Negócio tem potencial para levar catástrofe à região árida do deserto, onde a escassez de água é um problema crítico.

Em visita à China, o presidente do Chile, Gabriel Boric, cumprimenta Xiang Guangda, proprietário do conglomerado metalúrgico Tsingshan Holding Group. [Ministério das Relações Exteriores do Chile]
Em visita à China, o presidente do Chile, Gabriel Boric, cumprimenta Xiang Guangda, proprietário do conglomerado metalúrgico Tsingshan Holding Group. [Ministério das Relações Exteriores do Chile]

Por Alicia Gutiérrez |

SANTIAGO – Os laços econômicos com a China poderão provocar uma calamidade ambiental no Chile.

Durante a primeira visita oficial do presidente do Chile, Gabriel Boric, à China, de 14 a 18 de outubro, os dois países anunciaram um acordo que concede à empresa chinesa Tsingshan Holding Group preços preferenciais para o lítio.

O presidente discutiu em Pequim a cooperação econômica com Xiang Guangda, o bilionário que controla o conglomerado metalúrgico Tsingshan Holding Group.

Em 16 de outubro, Boric foi às redes sociais para compartilhar um vídeo em que divulgou o acordo, destacando que iria gerar “centenas de empregos nas regiões norte do nosso país”.

Vista aérea de piscinas de evaporação para mineração de sal no salar de Salinas Grandes, na província de Jujuy, no norte da Argentina. [Martín Silva/AFP]
Vista aérea de piscinas de evaporação para mineração de sal no salar de Salinas Grandes, na província de Jujuy, no norte da Argentina. [Martín Silva/AFP]

“O mais importante é que (em termos de lítio) não vamos nos limitar apenas à extração do mineral não metálico, vamos criar cadeias de valor e também fazer transferência de conhecimento”, disse.

A Tsingshan se comprometeu a investir cerca de US$ 235 milhões em uma unidade de produção de fosfato de ferro-lítio (LFP), a ser construída no porto de Mejillones, na região de Antofagasta, no noroeste do Chile.

A planta terá capacidade para produzir até 120 mil toneladas de LFP por ano para uso em baterias de carros elétricos.

A Tsingshan adquirirá ainda matérias-primas para sua unidade da maior produtora de lítio do Chile, a SQM, com preços preferenciais por um período de cinco anos.

O projeto terá início em 2025 e será concluído até 2030.

Sacrificando o meio ambiente

Apesar da falta de informações disponíveis sobre a existência de um processo de licitação para permitir que a Tsingshan desenvolva a unidade em Mejillones, observadores manifestaram preocupação com o impacto ambiental potencialmente desastroso.

Em diversas ocasiões, Vladimir Reyes, presidente do Conselho dos Povos Atacameños, expressou preocupação com as consequências negativas das operações de mineração na região desértica chilena. Ele também destacou a falta de diálogo do governo com as comunidades afetadas.

Em entrevista ao veículo de comunicação digital Ex-Ante, Reyes verbalizou sua oposição à recém-criada estratégia nacional para o lítio, apresentada neste ano por Boric. Essa estratégia incentiva acordos com empresas chinesas para extração mineral.

“Não podemos concordar se isso for trazer mais impacto ambiental à região. Os recursos hídricos são uma preocupação para nós, que vivemos no deserto. Há um menor volume de água para uso na agricultura, na pecuária e outras atividades que desenvolvemos aqui nesta região, no deserto", enfatizou.

Reyes destacou que, nesses projetos, uma vez esgotadas as reservas de lítio, as empresas tendem a ir embora, deixando um saldo de escassez de água e danos ambientais irreversíveis.

Com as mesmas preocupações, Luis de la Torre, analista de sustentabilidade e mineração, disse em entrevista ao jornal El País que a estratégia de abastecimento chinesa parece ser agressiva, diferenciando-se das abordagens de outras potências tecnológicas.

O Japão, por exemplo, adotou uma estratégia de aproximação com países que são grandes produtores de materiais industriais essenciais por meio de colaborações dentro dos setores, disse ele.

Essa abordagem é geralmente menos intrusiva, mais amplamente aceita e menos ostensiva.

"A diferença é que o Japão sempre optou por empresas de grande relevância, sem pretender obter uma participação majoritária. A China não tem um comportamento homogêneo nesse sentido e, quando se apresentou sozinha, em muitos casos recebeu rejeição social ou governamental.", observou de la Torre.

Em sua visita à China, Boric teve reuniões com 36 empresas chinesas, incluindo grandes empresas como Huawei, Sinovac Biotech, Kuaishou, Yutong, Aisino Corporation e Chery International.

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