Ambiente
Incêndios criminosos reduzem reflorestamento da Amazônia às cinzas
Fogo destruiu árvores que retiraram 8.000 toneladas de carbono da atmosfera em três anos.
![Um esforço de reflorestamento no Brasil buscava restaurar o equilíbrio natural com o plantio de 360.000 árvores em 270 hectares (665 acres) de terra que haviam sido desmatados ilegalmente por pecuaristas. Três anos depois, com a transformação da terra árida em uma próspera floresta verde, toda a área foi consumida por chamas. O incêndio, que começou em 3 de setembro, foi criminoso, segundo um relatório forense do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). [Rioterra]](/gc4/images/2023/09/26/44238-rioterra22-600_384.webp)
Por AFP |
RIO DE JANEIRO -- Deveria ser uma boa notícia para a deteriorada floresta amazônica: um projeto que replantou centenas de milhares de árvores ilegalmente desmatadas na Amazônia, uma reserva natural no Brasil.
A iniciativa, porém, foi dizimada pelas chamas, supostamente causadas por grileiros que pretendem transformar a área em pasto para a pecuária.
Lançado em 2019 pelo Centro de Estudos Rioterra, o projeto replantou 360.000 árvores em 270 hectares (665 acres) de uma reserva natural no estado de Rondônia, no norte do país, que já havia sido desmatada ilegalmente por pecuaristas .
A ideia era ambiciosa: salvar uma parte da maior floresta tropical do mundo e combater a mudança climática, criando empregos sustentáveis, afirmou o coordenador de projetos do Rioterra, Alexis Bastos
Mas, justamente quando o solo marrom e desmatado voltava a ser uma floresta verde-esmeralda -- árvores jovens cresciam, absorvendo cerca de 8.000 toneladas de carbono da atmosfera em três anos --, tudo foi queimado pelas chamas.
Bastos lembra a triste sensação que teve ao ver a área reduzida às cinzas.
"Foi horrível", disse ele.
"As pessoas não têm ideia do que é que a gente fez para recuperar (a floresta). Era um trabalho importante de restauração em escala."
Os investigadores concluíram que o incêndio, que começou no dia 3 de setembro, foi criminoso, segundo um relatório forense do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ao qual a AFP teve acesso.
A "motivação mais provável (foi) dificultar o processo de restauração ecológica da área em questão", diz o relatório.
Sinal evidente
Imagens de satélite indicam que o incêndio se propagou na direção oposta à do vento -- um sinal de incêndio criminoso, segundo os investigadores.
O promotor de justiça encarregado do caso, Pablo Hernandez Viscardi, disse que a polícia já identificou vários suspeitos.
O projeto está localizado na parte sudoeste da Reserva Extrativista do Rio Preto-Jacundá, que tem 95.000 hectares.
A região é tão remota que a equipe do Rioterra chegou ao local apenas em 6 de setembro, um dia após as imagens de satélite alertarem sobre a destruição.
Ao chegar, eles encontraram as estradas de acesso bloqueadas por árvores tombadas.
O projeto custou quase US$ 1 milhão e gerou mais de 100 empregos diretos, segundo o Rioterra.
Além de ajudar no combate à mudança climática, tinha o objetivo de gerar uma fonte de renda sustentável para os moradores locais, por exemplo, com o cultivo do açaí, cujos pequenos frutos de cor púrpura motivaram uma tendência de "superalimento" internacional por conta de suas propriedades nutritivas e antioxidantes .
Bastos, 49 anos, recordou como ele e sua equipe trabalharam arduamente no projeto durante o Natal e o Ano-Novo de 2020, o ano em que plantaram árvores acampados no local.
Ameaças de morte
Mas o projeto não foi bem recebido em partes da região, sede de uma poderosa indústria agropecuária.
Os investigadores constataram que a reserva Rio Preto-Jacundá está cercada de fazendas com histórico de crimes ambientais, incluindo repetidas invasões a essa área de preservação.
Dizimar a floresta tropical protegida para implantação de pasto é um negócio proibido, mas lucrativo no Brasil, o maior exportador de carne do mundo.
O crime geralmente atinge reservas naturais remotas, difíceis de vigiar, sobrepondo-se a outras atividades do crime organizado que destroem a Amazônia, como mineração de ouro e exploração de madeira ilegais.
Imagens de satélite mostram como a floresta verde da reserva Rio Preto-Jacundá está cercada por terras desmatadas, que se estendem por vários pontos da reserva no lado sudoeste.
Bastos contou que a equipe do Rioterra recebia ameaças de morte "constantemente" devido ao projeto.
"Chegou a ter caso de os caras fazerem emboscada para um colaborador nosso, botarem arma na cabeça dele para mandar a gente parar de recuperar a área. Eles falaram: 'Olha, agora é só um recado, mas, se vocês continuarem recuperando a área lá, depois não vai ser mais recado, não."
O promotor Viscardi afirmou que Rondônia enfrenta uma onda de crimes ambientais cometidos por máfias especializadas na apropriação de terras, utilizando assassinos de aluguel contratados e táticas de guerrilha.
"Isso existe no nosso Estado e, provavelmente, esteja acontecendo lá também na reserva do Rio Preto-Jacundá", disse ele à AFP.
Mas Bastos promete recomeçar do zero.
"Não se pode deixar grileiro de terra achar que isso é normal e que eles têm mais poder do que o Estado", disse.
"A sociedade (...), a gente não pode deixar isso."