Ambiente
Preocupações ambientais aumentam com projeto ferroviário da China na Amazônia
Projeto impactaria floresta tropical intocada, ameaçando comunidades indígenas isoladas e elevando riscos de apreensão ilegal de terras, extração de madeira e tráfico de drogas, segundo pesquisadores.
![Delegação de 11 engenheiros da China Railway Group Limited (CREC) e do Ministério dos Transportes da China visitou o Porto Sul, em Ilhéus, Brasil, em 16 de abril, para avaliar avanços na Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), um segmento-chave do proposto Corredor Bioceânico que liga o Atlântico ao Pacífico através da Amazônia e do Porto de Chancay, no Peru. [Agência Brasil]](/gc4/images/2025/04/22/50115-bioceanico-600_384.webp)
Por Waldaniel Amadis |
SÃO PAULO – A recente visita de uma delegação de engenheiros chineses ao Brasil reavivou as preocupações com relação ao potencial impacto ambiental do Corredor Bioceânico Brasil-Peru — um projeto ferroviário proposto pela China apresentado como uma alternativa ao Canal do Panamá para as exportações sul-americanas.
Ao longo de sete dias, 11 representantes da China Railway Group Limited (CREC) e do Ministério dos Transportes da China visitaram locais importantes de infraestrutura no Brasil.
Em 16 de abril, a delegação chegou a Ilhéus para avaliar o andamento da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), trecho estratégico que poderá funcionar como ponto inicial para a Rota Bioceânica.
A obra está sendo construída por várias empresas, entre as quais a CREC.
O Corredor Bioceânico busca ligar os oceanos Atlântico e Pacífico através de uma ferrovia transcontinental que atravessa a Amazônia e termina no Porto de Chancay, no Peru, operada pela estatal chinesa Cosco Shipping Ports.
Planejado para agilizar a exportação de commodities brasileiras como soja, carne e grãos para a China, o projeto evitaria as rotas marítimas tradicionais do Oceano Atlântico.
Como parte da Iniciativa Cinturão e Rota da China, o projeto promete reduzir as distâncias marítimas entre a América do Sul e a Ásia em até 20.000 milhas náuticas.
Resistência
A proposta gerou resistência devido a seu potencial impacto nos territórios indígenas e em áreas de alta biodiversidade nos chamados pulmões do planeta, segundo o portal de notícias da Amazônia Contilnet.
Afetaria pelo menos 11 estados brasileiros, principalmente o Acre, que faz fronteira com a Bolívia e o Peru e é visto como estrategicamente importante para a redução dos custos de transporte da ferrovia.
A rota proposta atravessa a região da Sierra del Moa, que abriga várias comunidades indígenas, incluindo povos isolados, e atravessaria reservas ambientais protegidas em um dos ecossistemas com maior biodiversidade do mundo.
O plano está sendo analisado pelo Ministério Público Federal do Brasil, confirmou uma fonte do órgão ao Entorno.
Uma fonte do governo do Acre confirmou ao Entorno que a delegação chinesa formalizou a proposta na reunião de 16 de abril em Rio Branco, com autoridades do estado da Bahia e do Ministério dos Transportes do Brasil.
Década de polêmica
Idealizado na década de 1950, o projeto ficou engavetado até 2008, quando o Brasil o incluiu em seu Plano Rodoviário Nacional.
Em 2014, a China manifestou interesse em desenvolver o projeto e ofereceu financiamento, estimado em cerca de US$ 100 bilhões.
Após anos de idas e vindas, Brasília suspendeu o projeto em 2015 devido às crescentes preocupações de ambientalistas e outros especialistas com seu potencial impacto no coração da Amazônia.
Um relatório da Sociedade para a Antropologia das Terras Baixas da América do Sul (SALSA) na época expressou “profunda preocupação” com as consequências ambientais e sociais do projeto.
De acordo com a SALSA, o projeto proposto, que atravessaria a floresta tropical primária intocada, representava uma grande ameaça, especialmente para os povos indígenas isolados e as comunidades tradicionais que vivem na área.
"O projeto ameaça uma das maiores extensões contínuas de floresta tropical do mundo, onde vivem numerosos grupos indígenas com pouco ou nenhum contato com a sociedade nacional. Muitas destas comunidades escolheram o isolamento como estratégia de sobrevivência após experiências históricas traumáticas com o mundo exterior", alertava o estudo de 2015, que agora volta à tona com a chegada da delegação chinesa.
A SALSA advertiu que, além da própria ferrovia, a construção exigiria estradas de acesso, estações e infraestrutura adicional, o que poderia aumentar a pressão sobre os territórios indígenas já demarcados.
Destruição do ecossistema
O projeto aumentaria os riscos de apreensão ilegal de terras, exploração madeireira e tráfico de drogas.
Povos indígenas como Shipibo-Conibo, Asheninka, Puyanawa, Yaminawa, Xavante e Nambikara, entre outros, poderiam ser diretamente impactados.
Além disso, o projeto afetaria o Cerrado brasileiro, um ecossistema com biodiversidade extraordinária que já enfrenta o desmatamento impulsionado pela expansão da produção de soja, grande parte dela exportada à China para alimentação animal.
Grupos indígenas e organizações não governamentais internacionais, como a Survival, alertaram para a destruição que o projeto poderia causar.
Inicialmente planejada para operar entre o Rio de Janeiro e Ilo, no Peru, a rota agora deve se estender do Porto Sul, em Ilhéus, no estado da Bahia, Brasil, até o Porto de Chancay, no Peru, a cerca de 80 km de Lima.