Ambiente

Água corrente é um luxo em áreas pobres de Lima

Muro de concreto de dois metros de altura e 10 km de comprimento separa San Juan de Miraflores da rica Santiago de Surco. Através de suas rachaduras, vislumbres de vegetação exuberante contrastam com o alto consumo de água em Surco.

Catalina Ñaupa e os tambores de água que ficam do lado de fora de sua casa, em Pamplona Alta, Lima, em foto de março. A capital peruana, que concentra mais de 10 milhões de habitantes, é a segunda maior cidade desértica do mundo, onde mais de 635.000 não têm acesso a água potável segura. [Ernesto Benavides/AFP]
Catalina Ñaupa e os tambores de água que ficam do lado de fora de sua casa, em Pamplona Alta, Lima, em foto de março. A capital peruana, que concentra mais de 10 milhões de habitantes, é a segunda maior cidade desértica do mundo, onde mais de 635.000 não têm acesso a água potável segura. [Ernesto Benavides/AFP]

Por AFP |

LIMA — Nas colinas áridas com vista para Lima, o luxo da água encanada é apenas um sonho para milhares de peruanos que a recebem em caminhões-tanque.

A capital do Peru, que concentra mais de 10 milhões de habitantes, também é a segunda maior cidade do mundo localizada em um deserto, atrás apenas do Cairo.

Rodeada pelo oceano Pacífico de um lado e pelos Andes de outro, a cidade é atravessada por três rios e tem ainda uma reserva de água subterrânea.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Informática do Peru, mais de 635.000 moradores de Lima não têm acesso a água corrente e muitos deles vivem em assentamentos informais nas colinas em torno da cidade, em locais onde as redes de água e esgoto não chegam.

Um caminhão-tanque entrega água potável aos moradores de Pamplona Alta, na periferia sul de Lima, em março. [Ernesto Benavides/AFP]
Um caminhão-tanque entrega água potável aos moradores de Pamplona Alta, na periferia sul de Lima, em março. [Ernesto Benavides/AFP]
Vista aérea de casas em Pamplona Alta, na periferia sul de Lima, em março. [Ernesto Benavides/AFP]
Vista aérea de casas em Pamplona Alta, na periferia sul de Lima, em março. [Ernesto Benavides/AFP]

Caminhões-pipa azuis levam água gratuitamente uma vez por semana, ou menos, a partes de San Juan de Miraflores, ao sul da cidade, e a deixam em grandes tambores colocados ao longo das ruas de chão batido.

E esses recipientes não são nada higiênicos.

"Temos dores de estômago e enxaquecas. Há larvas no fundo do tanque", disse Catalina Naupa, 59 anos, moradora de San Juan de Miraflores.

No inverno, às vezes os caminhões nem chegam porque as ruas ficam tão lamacentas que se tornam intransitáveis, segundo Naupa, que lava suas roupas apenas uma vez por semana ou a cada duas semanas para economizar água.

Nicolas Reyes, que trabalha na empresa de abastecimento de água da cidade, a Sedapal, diz que o sistema distribui um metro cúbico de água por família por semana.

Isso equivale a cerca de 30 litros de água por pessoa por dia — muito abaixo do mínimo de 50 a 100 litros considerados necessários pela Organizações das Nações Unidas.

Todo ano, a Sedapal teme ter de racionar água enquanto espera que os reservatórios do Peru encham com a chegada da temporada chuvosa, disse Jeremy Robert, do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento, da França.

'Outro mundo'

"A mudança climática afeta as reservas de água nas montanhas e reduz os fluxos dos rios", disse Antonio Ioris, geógrafo da Universidade de Cardiff, no País de Gales.

Mas a redução dos recursos hídricos não é o principal problema, segundo o acadêmico. O acesso das populações pobres não é priorizado pelos formuladores de políticas, afirma.

"A situação na periferia de Lima não se deve apenas à falta de planeamento urbano e investimento, mas também às dificuldades das zonas rurais, que provocam migrações forçadas para a capital", disse Ioris, especialista em relações entre população e meio ambiente na América Latina.

Nas estradas de terra em algumas áreas de San Juan de Miraflores, escadas de concreto levam aos lugares mais remotos, inacessíveis aos caminhões-pipa.

Os moradores, então, sobrevivem como podem e, em média, acabam pagando seis vezes mais do que as residências conectadas à rede de água, diz o governo.

No topo de uma colina de San Juan de Miraflores, um tambor de água bloqueia o último degrau de uma escada que leva a outro mundo.

Uma barreira de concreto de dois metros de altura e 10 km de comprimento — chamada de "muro da vergonha" pelos moradores locais — separa San Juan de Miraflores de uma área rica do outro lado.

Através de rachaduras na parede, é possível ver a vegetação exuberante de Santiago de Surco, um bairro de Lima com uma das maiores taxas de consumo de água — 200 litros por dia por pessoa, de acordo com a Sedapal.

Do outro lado, a grama verde e espessa é abastecida com água potável e os moradores descansam sob árvores frondosas.

"Surco parece outro mundo", disse Cristel Mejia, que administra um refeitório comunitário no lado pobre do muro.

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