Crime e Justiça
Estudantes peruanos vivem com medo de gangues de extorsão
Centenas de escolas particulares no Peru passaram a oferecer aulas online devido ao aumento das extorsões, e gangues como a venezuelana Tren de Aragua são acusadas de aterrorizar cidades.
![Soldados peruanos montam guarda enquanto pais deixam seus filhos na Escola San Vicente, em Lima, alvo de um caso de extorsão. [Ernesto Benavides/AFP]](/gc4/images/2025/04/14/49987-escuelas1-600_384.webp)
Por AFP |
LIMA – Primeiro, eles atacaram lojistas e motoristas de ônibus, ordenando que pagassem proteção sob ameaça de morte.
Agora as gangues de extorsão aterroriam o Peru de olho em escolas particulares, ameaçando matar funcionários ou pais "dentro ou fora" da sala de aula, a menos que desembolsem dezenas de milhares de dólares.
Temendo pela segurança dos alunos, centenas de escolas particulares fecharam as portas e passaram a oferecer aulas online nos últimos meses, expondo o agravamento da crise de segurança no país sul-americano assolado por gangues.
O novo ano letivo do hemisfério sul começou em março, mas as aulas só começaram de fato no início de abril para os alunos de ensino fundamental e médio de San Vicente, no norte de Lima.
![Soldados peruanos vigiam a Escola San Vicente, em Lima, enquanto pais deixam seus filhos após uma ameaça de extorsão e um ataque. [Ernesto Benavides/AFP]](/gc4/images/2025/04/14/49990-escuelas_2-600_384.webp)
As aulas mal haviam começado em março quando uma gangue atacou a escola com explosivos após ela se recusar a pagar US$ 27.000 em proteção.
Ninguém ficou ferido no ataque, que danificou a porta principal, mas as autoridades imediatamente ordenaram que os 1.200 alunos da escola ficassem em casa por um mês.
Quando retornaram, na semana passada, crianças puxando mochilas coloridas sobre rodas e pais ansiosos segurando suas mãos encontraram uma cena preocupante: cinco soldados em uniformes de combate, com rifles de assalto e máscaras, montando guarda na entrada.
'Como uma pandemia, mas com armas'
A extorsão é comum em toda a América Latina, mas atingiu proporções colossais no Peru, onde gangues locais e organizações transnacionais como a venezuelana Tren de Aragua são acusadas de exigir resgate de cidades inteiras.
Lucros milionários tornam o negócio da extorsão mais lucrativo do que o tráfico de drogas ou de pessoas, de acordo com fontes de inteligência.
Em março, a presidente Dina Boluarte declarou estado de emergência em Lima por um mês, enviando soldados às ruas para ajudar a manter a paz após uma onda de assassinatos ligados às extorsões — incluindo o de uma estrela da música cumbia, Paul Flores.
As escolas são cada vez mais alvos de organizações criminosas, que lucram muito em instituições de ensino como San Vicente, que cobram US$ 1.485 em mensalidades anuais.
Giannina Miranda, presidente do Freedom to Educate Collective, uma associação de escolas particulares, disse à AFP que o crime obrigou 325 estabelecimentos em todo o país a suspender as aulas presenciais por tempo indeterminado.
No total, a extorsão afetou 500 escolas particulares, disse ela.
"É como uma pandemia, mas com armas", disse à AFP um homem de 40 anos pai de um menino que frequenta a escola de San Vicente, falando sob condição de anonimato.
Ele disse que vivia com medo de que "o bem mais precioso, nossos filhos", se machucasse.
Matar 'dentro ou fora' da escola
Antes do ataque, a direção da escola San Vicente recebeu uma mensagem de WhatsApp de pessoas desconhecidas exigindo 100.000 sóis peruanos (cerca de US$ 27.000) para não atacar a escola.
Após o ataque, a escola recebeu uma nova ameaça por vídeo.
"JÁ EXPLODI A SUA ESCOLA E VOCÊ AINDA NÃO ME DEU UMA SOLUÇÃO", dizia uma mensagem escrita em um cartaz branco, cercado por balas, rifles e pistolas.
A mensagem terminava com a ameaça de matar um segurança, professor ou pai "dentro ou fora da escola".
Uma mulher de 70 anos que deixou seu neto em San Vicente disse à AFP que, diante de "tanto medo e tensão", muitas famílias estavam pensando em manter seus filhos em casa.
Uma mulher de 30 anos mãe de um menino de 6 anos matriculado em outra escola particular no norte de Lima, Pitágoras, que suspendeu as aulas devido à extorsão, disse à AFP ter dificuldades para responder ao filho quando ele lhe perguntou se "algo muito ruim estava acontecendo".
"Tenho de ensiná-lo que, quando voltar para a escola, se ouvir um tiro ou uma explosão, ele deve se esconder embaixo da mesa", relatou ela, usando óculos escuros e uma máscara para esconder sua identidade.
Sob pressão
O número de queixas registradas de extorsão caiu 13% em 2024 em relação ao ano anterior, para 19.443, segundo a polícia peruana.
Mas as autoridades admitem que muitas vítimas não denunciam ameaças ou ataques à polícia, por medo de morrer.
Nos primeiros três meses do ano, a polícia registrou 459 homicídios em áreas urbanas no Peru — o maior número em duas décadas.
A mãe de outro aluno da escola Pitágoras comparou o clima de terror ao instaurado por uma insurgência brutal de esquerda no Peru nas décadas de 1980 e 1990.