Educação
Proibição de celulares nas escolas do Brasil revitaliza pátios e melhora o aprendizado
Crianças em idade escolar em todo o Brasil, um país com mais de 200 milhões de habitantes, começam o ano letivo com uma nova lei que proíbe o uso de telefones celulares durante as aulas e os intervalos.
![Aluna da Escola Pública Reverendo Martin Luther King coloca seu celular em uma caixa antes de ir para a aula no Rio de Janeiro, Brasil. [Pablo Porciuncula/AFP]](/gc4/images/2025/02/19/49208-cellphone-600_384.webp)
Por AFP |
RIO DE JANEIRO – No Rio de Janeiro, as gargalhadas das crianças voltaram a invadir os parquinhos, lembrando os tempos em que os smartphones não dominavam as atenções.
Este renascimento das brincadeiras tradicionais e o reforço da concentração na sala de aula surgem na sequência de uma proibição pioneira dos telefones celulares nas escolas da cidade — uma política que foi agora adotada em todo o país.
Os alunos de todo o Brasil, que tem mais de 200 milhões de habitantes, começam o ano letivo com a proibição do uso de celulares nas aulas e nos intervalos, após uma nova lei assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro.
O Brasil, que tem mais smartphones do que habitantes, se junta a um número crescente de países que adotaram este tipo de restrição para retirar os dispositivos das mãos de crianças viciadas em redes sociais.
![Aluno pega seu aparelho de volta no fim do dia letivo na Escola Pública Reverendo Martin Luther King, no Rio de Janeiro, Brasil. [Pablo Porciuncula/AFP]](/gc4/images/2025/02/19/49209-cellphone2-600_384.webp)
“Foi difícil porque ficamos viciado e (...), quando não temos [o aparelho], acaba causando uma certa abstinência (...), mas depois que o hábito passa, a gente interage mais”, disse Kamilly Marques, de 14 anos.
Aluna da escola pública Reverendo Martin Luther King, no Rio de Janeiro, Kamilly confessou à AFP que já nem se dá ao trabalho de levar o telefone para a escola, um ano depois de a cidade ter implementado a proibição.
E ela não é a única. Atualmente, são poucos os alunos que param debaixo de um grande mural do herói dos direitos civis dos EUA para colocar seus aparelhos em caixas de plástico antes de irem para a aula.
Kamilly contou que, embora no início tenha achado a proibição “irritante” e “entediante”, está mais feliz com a melhoria das suas notas e da sua vida social.
“Tinha um colega de turma que era vítima de bullying online e nós nem sequer sabíamos, porque estávamos mais concentrados nos nossos celulares do que nos nossos amigos, sabe?”
Vício e ansiedade
No fim de 2024, 40% dos sistemas educacionais mundiais tinham algum tipo de proibição de uso de smartphones nas escolas, contra 30% um ano antes, informou a UNESCO, órgão educacional e cultural da Organização das Nações Unidas (ONU).
O secretário municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha, declarou à AFP que as autoridades notaram que as crianças voltaram às salas de aula após a pandemia de COVID “mais agitadas, mais impacientes, mais viciadas em celulares e muito mais ansiosas”.
Um levantamento feito em 2024 com os pais pela empresa de pesquisa digital Opinion Box e pela plataforma do setor de telefonia móvel Mobile Time mostrou que a maioria das crianças brasileiras adquiriu seu primeiro celular, em média, aos 10 anos de idade.
Enquanto as crianças com menos de 3 anos passavam quase uma hora e meia por dia nos smartphones, este tempo subia para quase quatro horas entre aquelas de 13 a 16 anos.
Um estudo realizado pelo município do Rio de Janeiro em setembro revelou melhorias na concentração, na participação nas aulas e no desempenho dos alunos desde que a proibição foi implementada.
Ferreirinha, que também é deputado federal, foi o relator da lei que levou a restrição para todo o país.
Se controlar o uso do telefone “é difícil para um adulto, imagina para uma criança. Não faz sentido que um professor esteja tentando dar aula enquanto a criança está assistindo a um vídeo nas redes sociais ou jogando no celular”, disse ele.
Em visita recente a uma escola, um aluno disse a ele que estavam voltando a brincar como as crianças brincavam “nos velhos tempos”.
'Muito mais alegre'
Fernanda Heitor, 46 anos, vice-diretora da escola Reverendo Martin Luther King — que tem alunos dos 6 aos 16 anos — afirmou que as aulas estavam ficando insustentáveis antes da proibição.
“Houve resistência. Ainda hoje, há quem esconda o celular quando entra na escola”, disse ela.
A professora descreveu os intervalos anteriormente como “ilhas” de crianças sentadas coladas aos seus aparelhos.
“Elas não interagiam, não brincavam muito, não falavam. Agora brincam... Isso transformou a escola. Ficou muito mais feliz, muito mais animada.”
A nova lei brasileira permite a utilização do celular para fins educacionais, emergências e fins de saúde.
Fabio Campos, especialista em educação e tecnologia, declarou à AFP que, embora considere a lei necessária, as crianças devem ser ensinadas a utilizar a tecnologia de forma responsável.
“O Brasil é um país de desigualdade. Muitos alunos só têm acesso à tecnologia no colégio. Então, se isso significa que as escolas vão ficar menos tecnológicas, é um fracasso”, disse ele.
Os pais também precisam impor mais limites em casa, acrescentou Renan Ferreirinha.
Na escola Reverendo Martin Luther King, Pedro Henrique, de 11 anos, ainda leva seu smartphone para a escola todos os dias e usa muito o aparelho em casa.
“Sinto um pouco a falta do celular” durante os intervalos, admitiu ele. No fim do dia, “eu me sinto feliz, porque vou poder usá-lo”.