Economia
Parceria crescente da Nicarágua com a China é marcada por déficits comerciais
Economistas concordam que Pequim está colhendo todos os benefícios do tratado de ‘livre comércio’ com a Nicarágua.
![Trabalhador carrega caixas de folhas de tabaco em uma fazenda em Estelí, na Nicarágua. A Nicarágua é um dos principais exportadores de charutos para os Estados Unidos, com a indústria florescendo nas terras férteis de Estelí. [Inti Ocon/AFP]](/gc4/images/2025/01/27/48928-nicaragua2-600_384.webp)
Por Roberto Orozco B. |
SAN JOSE, Costa Rica – A Nicarágua importa da China mais do que exporta, obtendo poucos benefícios com seu tratado de livre comércio com Pequim ou o restabelecimento dos laços diplomáticos com a China após seu rompimento com Taiwan em 2021, de acordo com economistas nicaraguenses consultados pelo Entorno.
As exportações da Nicarágua para a China cresceram 390% nos três primeiros trimestres de 2024 em comparação com o mesmo período de 2023, revelam os últimos dados do Banco Central da Nicarágua (BCN).
Mas esse crescimento perde força em comparação com as importações. Enquanto as exportações totalizaram apenas US$ 51,1 milhões, as importações da China atingiram a impressionante cifra de US$ 1,02 bilhão no mesmo período, destacando um grande desequilíbrio comercial.
Economistas apontam a capacidade de exportação limitada da Nicarágua como um fator-chave.
![Pessoas caminham em frente a uma tela com a imagem do presidente Daniel Ortega durante o 125º aniversário do nascimento do general Augusto C. Sandino em Manágua, em maio de 2020. [Inti Ocon/AFP]](/gc4/images/2025/01/27/48927-nicaragua-600_384.webp)
"Isso se deve à questão de capacidade exportadora do país", explica o economista Enrique Sáenz, da Fundação Pontes para o Desenvolvimento da América Central.
Sáenz enfatiza a necessidade de a Nicarágua "transformar sua matriz produtiva", uma mudança que ele reconheceu que não acontecerá da noite para o dia.
Até lá, a disparidade entre exportações e importações da China provavelmente persistirá.
O dia 1º de janeiro marcou o primeiro aniversário do tratado de livre comércio da Nicarágua com a China, um acordo para impulsionar o comércio entre dois países. O acordo inclui disposições como a eliminação de tarifas sobre 60% dos bens comercializados e a retirada gradual de tarifas sobre os 40% restantes.
A ascensão das lojas chinesas
Um ano após o tratado entrar em vigor, o impacto mais visível foi a proliferação de lojas administradas por cidadãos chineses, oferecendo bens de consumo em todo o país. Enquanto esses negócios prosperam, os comerciantes nicaraguenses alegam que enfrentam "concorrência desleal" na medida em que suas vendas caíram, deixando-os com dificuldades para competir.
Adelayda Contreras, uma comerciante de Manágua, destaca como as empresas chinesas inundaram o mercado nicaraguense com produtos baratos importados sob acordos de tarifas baixas com a China.
"Não podemos competir com eles", disse ela ao Entorno. "A estratégia que usam é aproveitar os benefícios de importação oferecidos pelo governo (da Nicarágua), para vender a baixo custo com a intenção de nos levar à falência e nos afastar do mercado.."
Em maio passado, o jornal digital nicaraguense Confidencial relatou que empresas chinesas reduziram as vendas de comerciantes locais em até 70%.
Lojas como Bazar Chino, China Mall, La Estrella, Nicaragua Electrónica, Mundo Nica e Supermercado Chino se tornaram as favoritas entre os consumidores nicaraguenses, superando empresas tradicionais que operam há décadas, afirmou a publicação.
A rápida expansão das lojas chinesas coincidiu com a implementação do pacto comercial entre a Nicarágua e a China, observou o Confidencial.
Os comerciantes chineses na Nicarágua são os principais responsáveis pelo aumento nas importações da China, destacou outro economista, que pediu anonimato devido a preocupações com possíveis represálias contra sua família na Nicarágua.
"Desde que o TLC entrou em vigor, [as importações] aumentaram de US$ 267 milhões no primeiro trimestre de 2024 para US$ 302 milhões no segundo trimestre. No terceiro trimestre, subiram para US$ 373,6 milhões. Isso representa um crescimento médio de 53,3% nos três trimestres [em comparação com o mesmo trimestre de 2023]. Faltam dados do quarto trimestre para fazer cálculos mais precisos", explicou.
Riscos para outros acordos comerciais
A incapacidade da Nicarágua de produzir bens atraentes para o mercado chinês perpetuará a tendência de altas importações e exportações mínimas, diz o economista Sáenz.
"Há um limite objetivo aqui. A capacidade produtiva nicaraguense e os seus produtos, principalmente agrícolas, não são atraentes para os chineses. Estes não comem galopinto nem o queijo salgado a que estamos habituados. Do ponto de vista dos interesses econômicos da Nicarágua, a China não oferece nenhuma vantagem particular", acrescenta Sáenz.
A China só poderá se tornar um mercado viável para produtos nicaraguenses se o acesso ao mercado dos EUA for restrito, diz ele.
"Mas isso é apenas uma hipótese", afirma.
Embora Sáenz tenha descrito o fechamento do mercado dos EUA como um cenário hipotético, a possibilidade ganhou força.
Em dezembro, os Estados Unidos iniciaram uma investigação sobre "Atos, Políticas e Práticas da Nicarágua Relacionados aos Direitos Trabalhistas, Direitos Humanos e Estado de Direito", conforme consta na declaração do Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR).
O documento destaca preocupações com relação ao futuro do Tratado de Livre Comércio América Central-República Dominicana (CAFTA-DR).
Entre os países que assinaram o acordo, estão Estados Unidos, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua.
Essa investigação sinaliza repercussões potenciais e significativas no relacionamento comercial da Nicarágua com os Estados Unidos.
Os Estados Unidos continuam sendo o principal parceiro comercial da Nicarágua, tendo importado US$ 1,23 bilhão em produtos nicaraguenses nos três primeiros trimestres de 2024. Esse número supera em muito os US$ 51,1 milhões em exportações nicaraguenses para a China registrados no mesmo período, de acordo com o BCN.
O ex-ministro das Relações Exteriores da Nicarágua, Norman Caldera, que desempenhou um papel fundamental na negociação do CAFTA-DR, descreveu a potencial suspensão da Nicarágua do pacto como "um desastre" para o país, destacando suas graves implicações econômicas.
As implicações incluiriam tarifas sobre as exportações nicaraguenses ou até mesmo o fim do comércio dos estados-membros do CAFTA-DR com a Nicarágua.
O Infobae relatou os comentários do ex-ministro em 16 de dezembro.
Em sua declaração de 10 de dezembro, o USTR expressou preocupação com a participação da Nicarágua "em ataques repressivos e persistentes aos direitos humanos e ao estado de direito".
A investigação, conduzida sob a Seção 301 da Lei de Comércio dos Estados Unidos de 1974, deve durar um ano e pode resultar na suspensão da Nicarágua do CAFTA-DR, ou mesmo em sua expulsão permanente.