Diplomacia
Colapso econômico cubano leva China a repensar laços comerciais
Relação entre Cuba e China virou declarações meramente formais de solidariedade, com pouco a mostrar a ambos os países.
![Moto ilumina rua sob chuva durante um blecaute nacional causado por uma falha na rede em Havana em 19 de outubro. [Adalberto Roque/AFP]](/gc4/images/2024/10/29/47986-cuba1-600_384.webp)
Por Ivan Sarmiento |
Os cubanos estão enfrentando um dos períodos mais desafiantes das últimas seis décadas, em meio à ruptura dos laços de longa data com a China.
Uma crise econômica iniciada em 2020 foi agravada recentemente por um apagão total que durou mais de quatro dias e depois pelo impacto do furacão Oscar, que matou sete pessoas e causou grandes danos materiais.
Na noite de 17 de outubro, metade dos 9 milhões de habitantes de Cuba ficou sem energia elétrica e, na manhã seguinte, todo o país ficou às escuras.
Em 20 de outubro, a energia já tinha sido restaurada para 70% dos cubanos, mas posteriormente o furacão Oscar atingiu o leste de Cuba, deixando sete mortos e uma devastação generalizada em toda a província de Guantánamo.
![Moradores da cidade costeira de Guanimar, na província de Artemisa, em Cuba, a sudoeste de Havana, percorrem rua inundada após a passagem do furacão Helene em 25 de setembro. [Yamil Lage/AFP]](/gc4/images/2024/10/29/47987-cuba2-600_384.webp)
![O presidente chinês, Xi Jinping (à direita), cumprimenta Miguel Díaz-Canel, então primeiro vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba e atualmente presidente do órgão, em Pequim, em junho de 2013. [Ed Jones/Pool/AFP]](/gc4/images/2024/10/29/47988-cuba3-600_384.webp)
No meio da tragédia em curso, surgiram notícias de que a China havia cancelado vários acordos comerciais com Cuba, exigindo que Havana implementasse reformas econômicas "orientadas para o mercado".
A postura de Pequim transmitiu falta de confiança em reformas genuínas que poderiam revitalizar a economia cubana e a crença de que a dívida de Cuba excede sua capacidade de reembolso, de acordo com vários veículos de comunicação.
"'A China não é o sugar daddy de Cuba': laços entre nações comunistas enfraquecem", publicou o jornal britânico Financial Times (FT) em reportagem em 13 de outubro, analisando como o colapso econômico de Cuba está prejudicando suas relações com a China.
O estado cubano deve enormes somas a grandes empresas chinesas, disseram ao FT fontes familiarizadas com os acordos comerciais e as dívidas de Cuba com a China.
A inadimplência de Cuba no pagamento à China começou em 2006, quando, durante uma “revolução energética”, o governo cubano começou a substituir aparelhos norte-americanos que operavam bem por equipamentos chineses, informou o Cuba Noticias 360, veículo de comunicação cubano independente, em outubro.
Cuba também deve centenas de milhões de dólares a grandes empresas chinesas como a Huawei e a Yutong, segundo um empresário estrangeiro familiarizado com o comércio na ilha que falou ao Financial Times.
'Solidariedade'
A economia improdutiva e centralizada de Cuba, aliada à escassez de matérias-primas, deixou a ilha com poucas exportações e ofertas limitadas para a China.
A antes vigorosa indústria açucareira entrou em declínio, e a produção agora é insuficiente até mesmo para o consumo interno. Esse recuo resultou no cancelamento de um acordo de longa data para a exportação de 400.000 toneladas de açúcar por ano à China.
“A China não é o sugar daddy de Cuba”, disse Fulton Armstrong, ex-oficial de inteligência nacional dos EUA para a América Latina, ao FT, inspirando o título da reportagem.
"É principalmente uma relação de declarações de solidariedade. Não é uma relação estratégica para nenhum dos países”, acrescentou ele.
Isso pôde ser observado no dia 22 de outubro, durante a visita de Li Shulei, membro do Politburo chinês e diretor do Departamento de Propaganda do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC), a Cuba.
Li expressou o desejo chinês de colaborar com Cuba na promoção dos laços tradicionais, na expansão da cooperação amistosa e no apoio mútuo para a construção de uma comunidade China-Cuba com um futuro compartilhado, informou o canal de televisão estatal chinês CGTN.
Uma "declaração de solidariedade" já tinha sido mencionada apenas um dia antes por Lin Jian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, enfatizando que "China e Cuba são bons amigos, bons camaradas e bons irmãos" e reafirmando o compromisso de Pequim de se solidarizar com Cuba em seus desafios atuais.
“Acreditamos que, sob a forte liderança do Partido Comunista de Cuba, o povo cubano superará as dificuldades temporárias e impulsionará a causa socialista”, acrescentou o porta-voz.
Apesar dessas declarações de amizade, Cuba não aparece na lista dos principais aliados da China na América Latina.
Na região, apenas Argentina, Brasil, Chile, Equador, México, Peru e Venezuela têm “parcerias estratégicas abrangentes” com a China, observou o FT.
Em público, Pequim defende o direito dos cubanos de definirem sua própria política econômica.
Mas, segundo o FT, as autoridades chinesas "há muito tempo incentivam a liderança cubana a mudar de sua economia verticalmente planificada para algo mais próximo do modelo chinês, de acordo com economistas e diplomatas informados sobre a situação".
A relutância de Cuba em implementar as reformas necessárias deixou perplexas as autoridades e líderes empresariais chineses, que esperam que Havana adote reformas favoráveis ao mercado semelhantes às implementadas pela China no fim da década de 1970, segundo fontes citadas pelo Financial Times.