Saúde

Faltam medicamentos para doenças crônicas em Cuba

Mãe cubana corre contra o tempo por farmácias vazias em busca de remédios para salvar a vida do filho doente, em um país onde os medicamentos estão desaparecendo e o desespero alimenta o mercado negro.

Jessica Rodríguez Romero administra medicamentos diretamente no abdômen do filho Luis Ángelo em sua casa, em Havana. Farmácias e hospitais cubanos enfrentam escassez até dos remédios mais básicos porque o país não dispõe dos US$ 300 milhões por ano necessários para a compra de matérias-primas usadas na produção de drogas essenciais. [Adalberto Roque/AFP]
Jessica Rodríguez Romero administra medicamentos diretamente no abdômen do filho Luis Ángelo em sua casa, em Havana. Farmácias e hospitais cubanos enfrentam escassez até dos remédios mais básicos porque o país não dispõe dos US$ 300 milhões por ano necessários para a compra de matérias-primas usadas na produção de drogas essenciais. [Adalberto Roque/AFP]

Por AFP |

HAVANA – A cubana Jéssica Rodríguez Romero nunca sabe se encontrará os medicamentos que mantêm vivo seu filho de quatro anos em um país que praticamente ficou sem remédios essenciais.

Quase diariamente, ela corre de uma farmácia estatal para outra em busca de comprimidos e seringas. Cada vez mais, tem de recorrer ao mercado negro e pagar preços mais elevados praticados nesse segmento. E, ainda assim, se encontrar o que precisa.

Rodríguez, que deixou o emprego como fisioterapeuta para cuidar do filho doente, recebe um subsídio estatal mensal de menos de US$ 12. O salário do marido não é muito maior.

E, à medida que Cuba se afunda cada vez mais em sua pior crise econômica em décadas – com grande escassez também de alimentos e combustível, frequentes apagões de energia e inflação desenfreada –, Rodriguez teme que um dia os medicamentos possam acabar completamente.

Prateleiras de remédios quase vazias em uma farmácia em Havana. Farmácias e hospitais cubanos carecem até dos medicamentos mais básicos. [Adalberto Roque/AFP]
Prateleiras de remédios quase vazias em uma farmácia em Havana. Farmácias e hospitais cubanos carecem até dos medicamentos mais básicos. [Adalberto Roque/AFP]

"Me desespero o tempo todo só de pensar", disse a jovem de 27 anos à AFP em sua casa no bairro de Santa Fé, em Havana, enquanto o filho Luis Ángelo assistia a um desenho animado no celular.

"Um medicamento que falta, uma cânula que não pode ser trocada (...) pode levar a doenças graves que podem custar-lhe a vida."

Luis Ángelo nasceu com problemas no esôfago. Enquanto aguarda transplante, respira por um estoma e se alimenta por meio de uma sonda inserida no estômago. O menino sofre de asma, problemas cardíacos e ataques epilépticos.

Toma diariamente sete medicamentos diferentes e precisa de vários tubos, seringas e outros equipamentos para a administração.

Cuba, conhecida por fornecer médicos a outros países e por manter uma indústria farmacêutica própria, há muito tempo tem vacinas e serviços médicos entre seus principais itens de exportação.

Sob sanções dos EUA desde 1962 e duramente atingido pela pandemia da COVID-19, que praticamente destruiu o seu setor turístico, o país comunista já não é autossuficiente na área médica.

No ano passado, a ilha de 9,7 milhões de habitantes não dispunha dos US$ 300 milhões necessários para importar matérias-primas usadas na produção de centenas de medicamentos essenciais.

'Não há nada'

Em Havana e em outras regiões, as prateleiras das farmácias estão vazias e os hospitais carecem de suprimentos básicos como gaze, fios para suturas, desinfetante e oxigênio.

"Tem dias em que não há nada", disse um médico da capital à AFP, sob a condição de anonimato.

O sistema de saúde de Cuba é financiado pelo governo e busca ser universalmente acessível. Farmácias, clínicas e serviços de saúde privados são ilegais.

Pacientes que necessitam de medicamentos para problemas crônicos recebem um documento conhecido como “tarjeton”, que lhes garante acesso a medicamentos subsidiados.

Luis Ángelo tem tarjeton, mas de pouca utilidade caso os medicamentos estejam em falta nas farmácias, segundo sua mãe.

No mercado negro, ela tem de pagar entre US$ 3 e US$ 4 por uma cartela de comprimidos – cerca de um quarto do salário médio mensal cubano com base na taxa de câmbio não oficial.

“O preço é cruel”, lamentou Rodriguez à AFP.

'Luz no fim do túnel'

Confrontado com a crescente escassez de medicamentos, o governo autoriza, desde 2021, que os viajantes tragam do exterior alimentos e medicamentos nas suas bagagens – embora não para revenda.

Algumas dessas drogas alimentam um mercado ilegal que lucra com os doentes desesperados com vendas via WhatsApp ou sites da internet.

Há, no entanto, grupos que doam medicamentos gratuitamente ou os trocam por alimentos.

No âmbito das ONGs, surgiram projetos para fornecer remédios gratuitamente aos cubanos.

Um deles, batizado de Palomas, ajudou dezenas de milhares de pessoas desde a sua criação em Havana em 2021.

A plataforma se vale de medicamentos guardados pelas pessoas em casa, que “sobraram de algum tratamento ou que alguém trouxe do exterior”, explicou à AFP o coordenador do projeto, Sergio Cabrera.

Todos os dias, em 13 grupos de WhatsApp, o projeto Palomas compartilha uma lista dos remédios disponíveis e outra lista das drogas de que necessita.

Uma das beneficiárias foi a dentista Ibis Montalbán, de 32 anos: “graças a esse projeto, hoje consegui comprar medicamentos para minha mãe (diabética), que estão em falta em nível nacional”, exalta.

Para Cabrera, é difícil testemunhar o sofrimento dos cubanos que dependem de remédios.

"Muitas pessoas choram aqui e muitas vezes choramos com elas", relatou ele, grato pelo fato de o Palomas poder ao menos oferecer uma “luz no fim do túnel”.

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