Ambiente

Mineração e conflitos varrem 'direitos' ambientais de rio colombiano

Difícil situação do Atrato ressalta desafios enfrentados pelos conservacionistas em áreas assoladas por conflitos.

Pássaro pousa em pedaço de madeira perto de dejetos boiando no rio Atrato, no município de Quibdó, departamento de Chocó, Colômbia. [Raul Arboleda/AFP]
Pássaro pousa em pedaço de madeira perto de dejetos boiando no rio Atrato, no município de Quibdó, departamento de Chocó, Colômbia. [Raul Arboleda/AFP]

Por AFP |

CHOCÓ, Colômbia — Em 2016, um tribunal colombiano proferiu uma decisão histórica, concedendo direitos legais a um rio vital na selva noroeste de Chocó, que estava sendo devastado pela mineração ilegal.

Esta regra enviou uma mensagem poderosa sobre proteção ambiental.

A importante determinação ocorreu no mesmo ano em que o governo assinou um acordo de paz histórico com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que controlavam grande parte de Chocó, e obrigou o estado a proteger o rio Atrato, a força vital da região.

Um novo amanhecer parecia possível no departamento mais pobre da Colômbia, marcado por conflitos, onde dezenas de crianças morreram de envenenamento por mercúrio devido à mineração ilegal de ouro no rio.

Crianças brincam no rio Atrato, no município de Tagachi, departamento de Antioquia, Colômbia. [Raul Arboleda/AFP]
Crianças brincam no rio Atrato, no município de Tagachi, departamento de Antioquia, Colômbia. [Raul Arboleda/AFP]
Crianças brincam no rio Atrato, no município de Tagachi, departamento de Antioquia, Colômbia. [Raul Arboleda/AFP]
Crianças brincam no rio Atrato, no município de Tagachi, departamento de Antioquia, Colômbia. [Raul Arboleda/AFP]

Mas, oito anos depois, o Atrato ainda está cheio de barcaças de dragagem ilegais que agitam seu leito em busca de ouro. Novos grupos armados preencheram o vazio deixado pelos combatentes das FARC. E os moradores ainda temem os riscos à saúde das águas turvas do rio.

A situação difícil do Atrato ressalta os desafios enfrentados pelos conservacionistas em áreas assoladas por conflitos.

O Atrato serpenteia por 750 km através de Chocó, desde os Andes, pela densa selva até o Mar do Caribe.

Na quase ausência de estradas pavimentadas na região, o rio e seus afluentes são os principais canais de transporte de passageiros e cargas, além de serem uma fonte vital de alimentos.

"É como uma veia arterial (...) sem ela, não existiríamos", disse à AFP Claudia Rondan, ativista ambiental de 41 anos da comunidade indígena Embera.

O rio está 'doente'

Rondan é uma entre os 14 líderes de comunidades ribeirinhas que atuam como "guardiões" do Atrato, ajudando a garantir o cumprimento da decisão judicial de 2016.

Mas ela se sente impotente para reavivar uma hidrovia que ela descreve como "doente".

Ramon Cartagena, ambientalista de 59 anos e guardião da área próxima à nascente do rio em El Carmen de Atrato, está igualmente desesperado.

"Não há vida alguma no rio", lamentou ele.

"Nossos pais nos deixaram (...) um rio translúcido, claro, e hoje temos a obrigação de fazer o mesmo, e acho que estamos falhando."

O rio Atrato nasce a 3.900 metros acima do nível do mar na Cordilheira Ocidental, o braço mais baixo dos Andes colombianos.

Na fonte, a água é cristalina e própria para beber.

Mas quando ele se alarga perto da principal cidade de Chocó, Quibdó, suas águas turvas e de fluxo rápido estão contaminadas com mercúrio, um material essencial na mineração de ouro, responsável pela morte de dezenas de crianças na última década.

A Colômbia é o país mais afetado pela poluição por mercúrio, segundo um relatório das Organizações das Nações Unidas (ONU) de 2018.

Em Quibdó, os peixeiros reclamam que não conseguem encontrar compradores para seus pescados, porque os moradores temem ser envenenados.

De acordo com o diretor da autoridade ambiental local, Arnold Rincon, os níveis de mercúrio do rio estão seguros.

Mas alguns moradores mostram sinais de "envenenamento crônico", revela José Marrugo, pesquisador da Universidade de Córdoba, no norte da Colômbia, que estuda a poluição por mercúrio.

Fechando os olhos

Em meados de setembro, os militares destruíram 334 máquinas de mineração ilegal no rio Atrato.

Mas a dragagem continua mesmo assim.

Em uma visita à região no início deste ano, a AFP viu várias balsas de mineração precárias no rio.

"As pessoas têm medo de denunciar; todos ficam em silêncio", relatou à AFP Bernardino Mosquera, outro dos guardiões do Atrato.

Isso inclui os próprios protetores do rio. Eles dizem que receberam ameaças de morte por combater a mineração ilegal.

A Colômbia é o país mais perigoso do mundo para ativistas ambientais, com 361 mortos desde 2018, informou a fundação colombiana pela paz Pares em um relatório em outubro.

O juiz que concedeu direitos básicos ao Atrato, Jorge Iván Palacio, culpou "a falta de vontade política" e a corrupção pelo fracasso do estado em implementar adequadamente a decisão.

Em uma acusação contundente, a Ouvidoria da Colômbia, que supervisiona a proteção dos direitos civis e humanos, disse que "não há evidências de qualquer tipo de progresso em direção à conservação efetiva" na região desde 2016.

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