Crime e Justiça
América Latina e Ásia alimentam crise do tráfico de drogas nas ilhas do Pacífico Sul
Ilhas do Pacífico, como Fiji e Tonga, estão situadas no cruzamento de rotas de tráfico marítimo pouco patrulhadas, utilizadas para transporte de cocaína da América Latina e de metanfetaminas e opióides da Ásia.
![Foto mostra membros de uma família se preparando para pescar ao pôr do sol na cidade costeira de Toguru, a 35 km de Suva, capital de Fiji. [Saeed Khan/AFP]](/gc4/images/2024/10/24/47932-drugs2-600_384.webp)
Por AFP |
NUKU'ALOFA, Tonga -- Uma onda de narcóticos está inundando o idílico Pacífico Sul, à medida que cartéis e tríades exploram nações insulares remotas para distribuir drogas em todo o mundo.
Ilhas do Pacífico, como Fiji e Tonga, ficam no cruzamento de rotas de tráfico marítimo pouco patrulhadas, usadas para o transporte de cocaína da América Latina e de metanfetaminas e opióides da Ásia, disseram à AFP altos funcionários da polícia e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Essas cargas ilegais chegam cada vez mais à população local, alimentando a dependência de drogas em comunidades onde a criminalidade severa era rara.
"Somos vítimas da localização geográfica. Um ponto de trânsito ideal para navios que cruzam o Pacífico”, disse à AFP o chefe da polícia de Tonga, Shane McLennan.
![Membros da Agência Técnica de Investigação Criminal de Honduras (ATIC) organizam pacotes de cocaína para incineração em Tegucigalpa, em Honduras. [Orlando Sierra/AFP]](/gc4/images/2024/10/24/47931-drugs-600_384.webp)
"Temos um território oceânico imenso e 176 ilhas que em grande parte não são protegidas."
Tijolos de drogas são descarregados durante paradas em portos insulares do Pacífico, onde são reembalados rumo a mercados lucrativos em outros lugares.
"A informação que temos é que substâncias ilícitas estão chegando em carga geral que é transportada através de Tonga", disse McLennan.
"No momento, é principalmente metanfetamina."
O consumo de metanfetaminas se tornou tão desenfreado em Tonga – um país profundamente cristão com 105.000 habitantes – que o Índice Global de Crime Organizado o compara a uma “epidemia”.
"É um problema", disse à AFP o motorista de táxi Latimuli Taliauli, 39 anos, enquanto esperava por um passageiro no decadente mercado público de Talamahu, em Nuku'alofa, a capital de Tonga.
"Há pessoas rondando por aqui que são destruídas pela metanfetamina", acrescentou ele, apontando um homem desgrenhado que cambaleava entre fileiras de produtos vegetais e artesanato local.
Rodovia das drogas
Em muitos dos países em desenvolvimento na região do Pacífico, dados sobre consumo de drogas, dependência e criminalidade são escassos ou inexistentes.
Mas os registos judiciais mostram um sistema judiciário tonganês saturado de casos de consumidores e traficantes de drogas, desde construtores e mecânicos a contadores e professores.
Neste ano, um adolescente e seu cúmplice de 20 anos se apresentaram a um tribunal por saquear o Museu Nacional de Tonga e roubar dezenas de artefatos valiosos, diz um relatório de sentença obtido pela AFP.
Esses tesouros foram trocados por um único grama de metanfetamina, uma dose equivalente a apenas US$ 100, de acordo com o relatório.
Apreensões recentes sugerem o tamanho da chamada “rodovia da droga do Pacífico”.
Quatro toneladas de metanfetamina foram apreendidas em Fiji neste ano, escondidas em embalagens plásticas rotuladas como “adesivo universal para pisos”.
O incidente colocou Fiji – uma nação muito mais conhecida pelo turismo do que pelo tráfico – no mesmo nível das “maiores” apreensões relatadas em centros globais de metanfetaminas como a Tailândia ou Hong Kong.
A cocaína começou a circular pelas nações insulares do Pacífico há pelo menos 20 anos, quando os cartéis latino-americanos buscavam saciar o apetite da Austrália por drogas pesadas.
Embora consumisse apenas 2% do volume mundial de cocaína, graças aos preços altíssimos, a Austrália já era o terceiro mercado mais lucrativo do mundo em 2008, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
Espalhando veneno
O negócio transcontinental de cocaína foi inundado nos últimos anos com metanfetamina sintética, e o comércio de droga no Pacífico segue agora duas rotas distintas.
Traficantes da América Latina e dos Estados Unidos navegam através das cadeias de ilhas da Polinésia, a caminho de Tonga, Fiji e, às vezes, Samoa.
Do outro lado da costa do Pacífico, as drogas preparadas nos laboratórios instalados na selva do Sudeste Asiático fluem através de estados da Melanésia, como Palau e Papua Nova Guiné.
Embora as nações do Pacífico, com pouco dinheiro, já tenham sido vistas apenas como um ponto de trânsito para a cocaína cara, os habitantes locais podem pagar mais facilmente pela metanfetamina, que é mais barata e altamente viciante.
"Não estamos falando apenas de zonas urbanas, mas também de cidades e zonas rurais", disse à AFP a agente antidrogas Kalesi Volatabu, de Fiji.
"Estamos assistindo à ilegalidade nas comunidades, nas escolas. E aos riscos e perigos nas aldeias rurais onde estes venenos estão sendo espalhados."
Documentos judiciais vistos pela AFP mencionam a presença obscura de “cartéis de drogas organizados e sofisticados” em Fiji e de “grupos internacionais de tráfico de drogas” em Papua Nova Guiné.
“O Pacífico está sendo aproveitado por cartéis latino-americanos, organizações asiáticas e grupos da Austrália, Nova Zelândia e dos Estados Unidos”, disse à AFP Jeremy Douglas, chefe de gabinete do UNODC.
A Global Initiative, um think tank com sede em Genebra, destacou o poderoso cartel mexicano de Sinaloa como “o mais importante" nesse cenário.
À vista de todos
As sanções do Tesouro dos EUA, no entanto, listam a tríade 14K – um dos maiores grupos do crime organizado de Hong Kong – como uma grande ameaça em Palau.
Juntamente com as drogas, a presença do crime organizado estimulou a lavagem de dinheiro, a prostituição e os cassinos ilegais.
Às vezes, grandes remessas de drogas são presas a boias e deixadas à deriva nas correntes oceânicas.
No ano passado, a Marinha da Nova Zelândia encontrou uma balsa com três toneladas de cocaína amarrada com uma rede de carga.
Segundo a polícia, a carga foi deixada em um “ponto de trânsito flutuante”, escondido à vista de todos, para que pudesse ser recolhida e transportada para a Austrália.
"Durante muito tempo, o Pacífico foi uma região onde muito poucos atores externos se envolviam", disse Sinclair Dinnen, pesquisador da Universidade Nacional Australiana.
"É algo relativamente novo nesta parte do mundo. Mas parece estar aumentando."