Crime e Justiça

Fentanil chinês na América Latina: novas rotas e ameaças emergentes

Apreensões recentes enfraqueceram negações da China sobre ser um agente importante no tráfico de drogas. O fentanil chinês é cada vez mais detectado na América Latina.

Cerca de 15.000 comprimidos de fentanil foram confiscados em outubro passado, durante uma operação que visava uma rede de tráfico de fentanil. Essas pílulas, que aparecem em diversas cores, eram destinadas à distribuição em toda a cidade de Nova York e haviam sido escondidas habilmente dentro de uma caixa de LEGO para burlar a fiscalização. [Agência Antidrogas dos EUA]
Cerca de 15.000 comprimidos de fentanil foram confiscados em outubro passado, durante uma operação que visava uma rede de tráfico de fentanil. Essas pílulas, que aparecem em diversas cores, eram destinadas à distribuição em toda a cidade de Nova York e haviam sido escondidas habilmente dentro de uma caixa de LEGO para burlar a fiscalização. [Agência Antidrogas dos EUA]

Por Alicia Gutiérrez |

QUITO – A rápida disseminação do fentanil em toda a América Latina colocou as autoridades em alerta máximo, diante do temor de um aumento significativo no número de mortes associadas a overdose do opiáceo sintético altamente viciante.

Os precursores da droga são procedentes da China e agora seguem para a América Latina.

Produzido com baixo custo em laboratórios, o fentanil inundou as ruas dos Estados Unidos, causando uma epidemia com consequências letais, e agora é encontrado na América Latina.

Em vários países latino-americanos, o fentanil é conhecido como a “droga zumbi”. Vídeos compartilhados nas redes sociais equatorianas retratam indivíduos que aparentemente usaram esse opiáceo altamente viciante deitados e imóveis nas calçadas de Guayaquil.

Amostra de fentanil é vista no Laboratório Químico Antidrogas da polícia colombiana em 2 de agosto, em Bogotá. Segundo a corporação, 1.384 doses de fentanil foram apreendidas até agora em 2023. [Juan Pablo Pino/AFP]
Amostra de fentanil é vista no Laboratório Químico Antidrogas da polícia colombiana em 2 de agosto, em Bogotá. Segundo a corporação, 1.384 doses de fentanil foram apreendidas até agora em 2023. [Juan Pablo Pino/AFP]
No final de julho, a polícia colombiana descobriu 280 frascos de fentanil em Medellín. A disseminação rápida do fentanil na América Latina alarmou as autoridades, que preveem um aumento nas mortes associadas a overdose do opiáceo sintético altamente viciante. [Polícia Nacional Colombiana]
No final de julho, a polícia colombiana descobriu 280 frascos de fentanil em Medellín. A disseminação rápida do fentanil na América Latina alarmou as autoridades, que preveem um aumento nas mortes associadas a overdose do opiáceo sintético altamente viciante. [Polícia Nacional Colombiana]

A prefeitura de Guayaquil e especialistas em dependência confirmam que o fentanil produzido ilegalmente, muitas vezes misturado com outras substâncias, já está sendo distribuído e consumido no Equador.

Além disso, eles alertaram sobre as graves repercussões que a droga poderia ter no sistema de saúde do país.

Em entrevista ao Entorno, o médico toxicologista equatoriano César José D'Pool explicou que os níveis alarmantes de dependência associados a essa substância geraram grandes preocupações desde o seu surgimento recente.

“Sabemos que essa droga induz a um vício rápido e potente, superando até mesmo a heroína ou a morfina devido ao seu forte efeito analgésico. Alivia a dor, levando o consumidor a um estado de prazer que depois culmina em graves consequências”, disse.

O médico destacou o desafio que a disseminação rápida da substância representa para o sistema público de saúde, não só no Equador, como também em todos os países da região.

“Em nossos países latino-americanos, encontramos desafios tanto no diagnóstico quanto no tratamento de dependências. Muitas vezes isso não é tratado por equipes médicas multidisciplinares... Há um grande risco de overdoses, e os pacientes que chegam aos centros de emergência muitas vezes não têm antídotos acessíveis”, observou.

D'Pool alerta que garantir a adequação da rede hospitalar e fornecer treinamento aos profissionais de saúde é essencial para enfrentar este preocupante problema de saúde pública.

Revelando uma ameaça latente

Embora o ministro da Saúde Pública do Equador, José Ruales, negue a presença de pacientes em hospitais devido ao consumo da droga, os médicos do programa Ação Cidadã para Atenção e Prevenção do Consumo de Drogas afirmam que o fentanil está realmente circulando no Equador, expressando preocupações quanto a um potencial "desastre iminente".

Eles enfatizam que o fentanil tem potencial para matar até 150 pessoas por dia no país sul-americano.

Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro revelou um plano para mitigar os riscos associados ao consumo de opiáceos. Serão criados locais especializados em áreas próximas a bares e casas noturnas para detectar se as substâncias psicoativas consumidas contêm vestígios de fentanil.

Os cartéis tendem a misturar fentanil com outras drogas devido à sua natureza altamente viciante.

“Vou emitir uma ordem para que os locais de festas tenham postos de saúde públicos com um instrumento que permita detectar o fentanil”, disse Petro em seu discurso no IV Congresso Internacional contra o tráfico de fentanil, substâncias químicas e novas substâncias psicoativas, realizado em 14 de setembro na cidade de Medellín.

De acordo com a revista Semana, as preocupações com o uso indevido de fentanil foram inicialmente levantadas em agosto de 2022 em Bogotá e Cartagena. No mesmo ano, o Ministério da Justiça divulgou um relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal confirmando cinco mortes relacionadas ao consumo de opiáceos não prescritos.

Segundo matéria publicada em 16 de setembro naquele meio de comunicação, é cada vez mais comum descobrir, nos portos e aeroportos colombianos, embalagens contendo o opioide, enviadas do exterior.

Segundo dados do Observatório Argentino de Drogas compiladas pelo portal Ámbito, foram registradas 24 mortes na Argentina por overdose de cocaína adulterada com fentanil entre 2017 e 2019.

Funcionários da Gendarmaria Nacional apreenderam 500 frascos de fentanil na província argentina de Misiones. A droga foi descoberta em um caminhão que transportava encomendas com destino a Buenos Aires.

A descoberta do opioide na Argentina em julho passado levantou preocupações no Uruguai.

Héctor Suárez, diretor do Observatório Uruguaio de Drogas, disse à revista Búsqueda que o Uruguai está em “alerta” máximo em relação aos riscos potenciais do fentanil. Como resultado, o país aumentou a vigilância para qualquer possível chegada de fentanil.

Novas rotas de passagem

A interceptação de 499 frascos de fentanil pela Divisão Antinarcóticos da Polícia Nacional Civil salvadorenha, em 4 de agosto, na fronteira entre Honduras e Salvador, expôs o uso desses dois países, assim como a Guatemala, por cartéis mexicanos.

Os cartéis parecem usar essa rota para receber precursores da China para a produção de fentanil.

O aumento dos controles sobre a entrada de precursores de fentanil nos portos mexicanos obrigou os cartéis a voltar suas atenções para o sul. Consequentemente, a Guatemala emergiu como um dos principais pontos de chegada dessas substâncias químicas provenientes da China.

Conforme relatado pelo portal Infobae, o Ministério do Interior da Guatemala revelou, em 23 de março, uma descoberta significativa no terminal portuário de Puerto Barrios, em Izabal. Foram encontrados quatro recipientes contendo produtos químicos essenciais na síntese do fentanil.

Funcionários da Subdireção Geral de Análise de Informações Antidrogas da Guatemala confirmaram que os contêineres não eram originários da China. A carga chegou à Guatemala vinda da Turquia, tendo passado antes pela França e pela Colômbia.

Assim como a Guatemala emergiu como rota de trânsito para o tráfico de precursores de fentanil, a Turquia é cada vez mais identificada como um centro tanto para o tráfico de cocaína como o de fentanil chinês, de acordo com um relatório da Homeland Security Today.

Fabricação de fentanil

Os contrabandistas chineses costumavam enviar fentanil completo para os Estados Unidos, mas uma mudança de circunstâncias criou um nicho de mercado para os laboratórios de drogas mexicanos.

“Em maio de 2019, sob pressão dos EUA, a China colocou os medicamentos relacionados ao fentanil sob um regime regulatório controlado”, informou o Wall Street Journal em agosto de 2022.

“No ano seguinte, as apreensões de fentanil da China nos EUA caíram drasticamente, de acordo com um relatório do Government Accountability Office”, informou o jornal.

“Os cartéis de droga mexicanos entraram em cena para preencher o vácuo”, noticiou o Washington Post em dezembro passado.

Os produtores chineses de fentanil encontraram nas redes de distribuição dos cartéis mexicanos o intermediário perfeito, uma vez que elas possuem a experiência necessária para levar o opiáceo às ruas dos EUA.

Desde então, os cartéis estabeleceram uma relação comercial sólida com as máfias chinesas.

A organização Jalisco Nueva Generación, o cartel que mais cresceu na última década, especializou-se na fabricação de fentanil através de laboratórios clandestinos espalhados por diversas regiões do México.

Assim que os precursores químicos chineses entram na América Central e são transferidos para o México, a fabricação das pílulas é concluída. Começa, então, o processo de envio para os Estados Unidos.

Agora, os cartéis procuram ativamente novos mercados para a droga na América Latina.

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