Saúde

Cientistas brasileiros desenvolvem nova "vacina" para vício em cocaína

Vacina estimula o sistema imunológico a criar anticorpos que impedem a entrada das moléculas da cocaína no sistema mesolímbico do cérebro, o "centro de recompensa".

O psiquiatra brasileiro Frederico Garcia, professor associado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisador responsável pelo desenvolvimento da Calixcoca, vacina contra o vício em cocaína e crack. [Douglas Magno / AFP]
O psiquiatra brasileiro Frederico Garcia, professor associado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisador responsável pelo desenvolvimento da Calixcoca, vacina contra o vício em cocaína e crack. [Douglas Magno / AFP]

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BELO HORIZONTE, Brasil -- Cientistas do Brasil, o segundo maior consumidor mundial de cocaína, anunciaram o desenvolvimento de um tratamento inédito para a dependência da cocaína e do seu poderoso derivado crack: uma vacina.

Batizada de "Calixcoca", a vacina-teste, que mostrou resultados promissores em ensaios com animais, desencadeia uma resposta imunológica que impede a cocaína e o crack de chegarem ao cérebro. Os pesquisadores esperam que isso ajude os usuários a quebrar o ciclo de dependência.

Em resumo, os toxicodependentes não ficariam mais "chapados".

Se o tratamento obtiver aprovação regulamentar, será a primeira vez que o vício em cocaína será tratado com o uso de uma vacina, segundo o psiquiatra Frederico Garcia, coordenador da equipe que desenvolveu o projeto na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Inibir os efeitos da cocaína e do crack para prolongar a abstinência dos usuários que lutam contra o vício é o objetivo da "Calixcoca", uma promissora vacina terapêutica desenvolvida por cientistas brasileiros. [Douglas Magno / AFP]
Inibir os efeitos da cocaína e do crack para prolongar a abstinência dos usuários que lutam contra o vício é o objetivo da "Calixcoca", uma promissora vacina terapêutica desenvolvida por cientistas brasileiros. [Douglas Magno / AFP]

Na semana passada, o projeto recebeu o prêmio máximo -- 500.000 euros (R$ 2.645.000) -- do Prêmio Euro Inovação na Saúde para a medicina latino-americana, patrocinado pela empresa farmacêutica Eurofarma.

A vacina funciona ativando os sistemas imunológicos dos pacientes para produzirem anticorpos que se ligam às moléculas de cocaína na corrente sanguínea, tornando-as muito grandes para entrar no sistema mesolímbico do cérebro, ou o "centro de recompensa", onde a droga normalmente estimula altos níveis de dopamina indutora de prazer.

Estudos semelhantes foram realizados nos Estados Unidos -- o maior consumidor de cocaína do mundo, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Mas foram interrompidos porque os ensaios clínicos não demonstraram resultados suficientes, entre outras razões, diz Garcia.

Até agora, a Calixcoca provou ser eficaz em testes com animais, produzindo níveis significativos de anticorpos contra a cocaína e poucos efeitos colaterais.

Os pesquisadores também descobriram que ela protegia os fetos de ratos, sugerindo que pode ser usada em humanos para proteger fetos de grávidas dependentes de cocaína.

Agora, a vacina está pronta para entrar na fase final de ensaios, os testes em seres humanos.

Não é uma "panacéia"

Garcia diz que a Calixcoca pode remodelar o tratamento contra o vício.

"Não existe tratamento específico registrado para dependência de cocaína ou crack. Hoje, são utilizadas abordagens psicológicas, de assistência social e, eventualmente, internação", afirmou.

A Calixcoca poderia acrescentar uma ferramenta importante, ajudando os pacientes em estágios críticos de recuperação, como quando eles deixam a reabilitação, segundo Garcia.

A vacina é feita a partir de compostos químicos desenvolvidos em laboratório, em vez de ingredientes biológicos. Ou seja, sua produção seria mais barata que a de muitas vacinas e não exigiria armazenagem sob temperaturas baixas.

Mas não será uma "panacéia" que pode ser administrada a qualquer usuário, adverte Garcia.

O público-alvo será definido com precisão após os resultados dos ensaios clínicos, mas, teoricamente, a vacina seria indicada para pacientes "em abstinência, que estão motivados a continuar a abstinência”, afirma.

O objetivo é mudar o que Garcia chama de uma "triste estatística": segundo o Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA, um em cada quatro usuários regulares de cocaína se torna dependente.

E apenas um em cada quatro consegue abandonar o vício após cinco anos de tratamento.

As expectativas em torno da vacina são altas. Mais de 3.000 pessoas já contataram a equipe de Garcia para participar dos ensaios clínicos como voluntários.

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