Sociedade
Jovens cubanos desdenham do papel de guardiões da revolução
Apoio para associações de bairro ideológicas minguou, especialmente após a grave crise econômica que reduziu significativamente o poder de compra.
![Turistas posam para selfie em um antigo carro americano na frente de um muro com uma pichação dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR) em Havana. [Yamil Lage / AFP]](/gc4/images/2023/10/12/44498-cuba2-600_384.webp)
AFP |
HAVANA -- Em Cuba, milhares de células de bairros se organizam, enquanto os olhos e ouvidos da revolução comunista de Fidel Castro tentam encontrar maneiras de seduzir os jovens, pouco interessados na causa.
Seis décadas após Castro ter criado os Comitês de Defesa da Revolução (CDR) para vigiarem seu então estremecido governo, 138.000 CDRs continuam a ser um símbolo duradouro do comunismo na ilha.
O entusiasmo de associações de bairros, porém, minguou nos últimos anos, especialmente depois da pandemia de COVID-19 e da grave crise econômica que reduziu o poder de compra.
"A nova geração não quer nada disso", disse à AFP uma estudante que preferiu não revelar sua identidade.
![Mulher passa por um muro com uma pichação dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR) em Havana. [Yamil Lage / AFP]](/gc4/images/2023/10/12/44497-cuba1-600_384.webp)
A filiação de todos os cidadãos ocorre de forma automática a partir dos 14 anos, mas fazer com que se envolvam é um desafio.
"Hoje, os jovens dormem com seus celulares no bolso e, quando os ligam, é um bombardeio midiático contra nosso processo (socialista)", disse à AFP o coordenador nacional dos CDRs, Gerardo Hernandez, 58 anos.
Hernandez foi um dos "Cinco Cubanos" espiões que ficaram presos nos EUA em 1998 e cuja libertação ajudou a pavimentar o caminho para uma aproximação entre os inimigos da Guerra Fria.
Um herói local, ele recebeu a complexa tarefa de revitalizar os CDRs em um momento de transformação da ilha, marcado pela abertura a pequenas empresas privadas, permissão para a compra e venda de casas pelos cidadãos e chegada do acesso à internet.
Ao mesmo tempo, centenas de milhares de cubanos fugiram da crise econômica.
"Estamos tentando reverter essa situação e fazer com que os jovens entendam que os CDRs lhes oferecem uma oportunidade extraordinária para desenvolverem sua vocação e terem uma influência em sua comunidade", disse Hernandez, enquanto o décimo congresso anual dos CDRS debatia, em setembro, como torná-los "atraentes aos jovens".
Falta de identificação com o governo cubano
Inicialmente criados como uma rede de vigilância para denunciar os "contrarrevolucionários", os CDRs organizam projetos comunitários e coordenam serviços como campanhas de vacinação e doação de sangue.
Os comitês de defesa são particularmente visíveis nas eleições, quando coordenam reuniões nos bairros e controlam cuidadosamente a participação dos cidadãos.
A vigilância ainda é uma parte fundamental do seu trabalho e eles monitoram o tráfico de drogas, a sonegação fiscal e outros crimes.
As células existem em todos os bairros e vilas, e o governo conta com cerca de oito milhões de membros -- mais de 3/4 da população da ilha --, incluindo os não ativos.
Manuel Cuesta Morua é um dissidente que nos anos 2000 sofreu "atos de repúdio", manifestações em que grandes grupos de membros dos CDRs hostilizavam física e verbalmente os opositores.
"Os jovens hoje são muito mais pragmáticos, muito mais transacionais", disse Cuesta Morua à AFP. "Eles participam quando é para seu próprio benefício."
"A juventude é apolítica, não se identifica com o governo, que ela associa aos CDRs."
Segundo Cuesta Morua, ninguém de sua família assumiu o lugar de sua mãe, que ele descreveu como uma "ativista dos CDRs".
"Nunca me ajudaram"
Sentado em um café em Havana Velha, Lazaro, de 43 anos, que não quis informar seu sobrenome, critica a associação: "O CDR nunca me ajudou. Sempre tive de me virar sozinho."
Todos os anos, na noite de 27 de setembro, membros dos CDRs se reúnem nos bairros para uma festa em torno de um ensopado cozido à lenha. Cada um contribui com o que pode.
Ernesto Lemus, 56 anos, presidente de um CDR em Havana Velha, disse que a festa é uma importante "continuidade" da revolução de 1959, que adotou uma mudança radical em direção ao comunismo, elevando a tensão com os Estados Unidos durante a Guerra Fria.
"Há alguns anos, era uma festa, agora não é mais. Hoje, não tem nada e tudo está caro, não existe mais união quanto a isso", disse o jardineiro Rafael Caballero Lopez, 35 anos, que planeja emigrar para a Colômbia.