Crime e Justiça
Antropólogos forenses escavam fornos de açúcar na Colômbia em busca de restos mortais de vítimas de guerra
Unidade de Busca de Pessoas Desaparecidas (UBPD) da Colômbia estima que mais de 100.000 pessoas, principalmente civis, desapareceram à força durante o conflito de décadas na Colômbia.
![Famílias de vítimas de desaparecimento forçado se reúnem em frente às câmaras de cremação, onde vítimas foram exterminadas por grupos paramilitares durante o conflito armado. A cena sombria foi captada em Juan Frio, no município de Villa del Rosario, próximo à fronteira entre Colômbia e Venezuela, em 27 de setembro. [Schneyder Mendoza / AFP]](/gc4/images/2023/10/04/44367-colombia11-600_384.webp)
AFP |
VILLA DEL ROSARIO, Colômbia – Equipada com pás e escovas, uma equipe de antropólogos forenses se espalha para escavar um antigo forno no leste da Colômbia que já foi usado na produção de cana-de-açúcar, mas que, segundo especialistas, também pode ter servido para incinerar corpos humanos.
Eles procuram restos mortais de centenas de vítimas que teriam sido mortas por grupos paramilitares que já operaram na região.
As organizações de vítimas estimam que mais de 500 corpos podem ter sido cremados nesse tipo de forno no início da década de 2000, enquanto grupos armados tentavam apagar provas dos assassinatos.
A Unidade de Busca de Pessoas Desaparecidas (UBPD) calcula que mais de 100 mil vítimas – a grande maioria civis – desapareceram à força durante o conflito que assolou a Colômbia por seis décadas, número superior ao da soma de todas as ditaduras do século 20 na região – Argentina, Brasil e Chile.
![Fornos de tijolo localizados no município de Villa del Rosario, no leste da Colômbia, na fronteira com a Venezuela, eram originalmente utilizados para produzir adoçante extraído da cana-de-açúcar. [Schneyder Mendoza/AFP]](/gc4/images/2023/10/04/44366-colombia12-600_384.webp)
O conflito, iniciado na década de 1960, colocou guerrilheiros de esquerda que lutaram contra o governo e contra grupos paramilitares de direita a partir da década de 1980 em um cenário complexo de violência relacionada ao tráfico de drogas.
No período, grupos paramilitares semearam o terror por meio de massacres e da perseguição a políticos, agricultores e líderes comunitários que não concordassem com suas ideias.
Em 2006, cerca de 30.000 membros de grupos foram desarmados e a maioria dos seus líderes foi presa. Motivados pelos acordos judiciais, alguns dizem agora que estão prontos para contribuir na busca de desaparecidos.
"Não só os mortos"
Da sua prisão nos Estados Unidos, onde cumpre pena de 15 anos por tráfico de drogas, o ex-líder paramilitar Salvatore Mancuso informou a localização de uma vala comum no início deste ano.
Em junho, os investigadores da UBPD encontraram “inúmeros” restos humanos no local.
Os fornos de tijolo localizados no município de Villa del Rosario, no leste da Colômbia, na fronteira com a Venezuela, eram originalmente utilizados para produzir adoçante extraído da cana-de-açúcar.
Mas, de acordo com confissões de comandantes paramilitares à Jurisdição Especial para a Paz (JEP) – o tribunal que julga os piores crimes do conflito –, os esquadrões da morte de extrema-direita usaram os fornos para cremar guerrilheiros e agricultores simpatizantes da esquerda.
Esse tipo de forno pode ter sido usado para cremar corpos, disse Marlon Sanchez, chefe da UBPD, entidade criada após o acordo de paz de 2016.
“Este não é o único forno possível para incinerar corpos”, disse o antropólogo à AFP.
As pessoas “eram antes torturadas e submetidas a degradações absolutamente humilhantes”, diz Javier Osuna, autor do livro “Me Hablarás del Fuego: los hornos de la Infamia”, que narra a sombria história do conflito.
Dos depoimentos coletados, “podemos deduzir que não eram só mortos que entravam nesses fornos”, afirma Osuna, sugerindo o horror de que pessoas poderiam ter sido queimadas vivas.
A busca traz uma nova esperança às famílias das vítimas, algumas das quais acompanham o trabalho dos investigadores.
“As condições de temperatura podem não ter sido suficientemente altas para destruir completamente os ossos”, por isso não é impossível encontrar pistas, segundo Osuna.
Mas, até o momento, a busca não rendeu nenhum resultado.