Crime e Justiça
Vida noturna silencia, enquanto gangues do narcotráfico assumem controle no Equador
Antes vibrante, com salsa e neon, vida noturna de Guayaquil está em queda à medida que violência e extorsão dos cartéis transformam o centro comercial do Equador na cidade mais mortal da América do Sul.
![Placa com a frase "à venda" em espanhol é vista na fachada de uma loja em Guayaquil, Equador. Sob um regime de extorsões e assassinatos, incluindo telefonemas ameaçadores, tiroteios e pacotes contendo explosivos como advertência, os grupos criminosos acabaram com as festas nas tradicionais "zonas vermelhas" de Guayaquil, o principal porto do Equador, atolado na violência relacionada às drogas. [Marcos Pin/AFP]](/gc4/images/2025/09/04/51822-ecua-600_384.webp)
Por AFP |
A agitada vida noturna, regada a suor e salsa, que antes era o coração de Guayaquil – a maior cidade do Equador –, está silenciando, com bares, restaurantes e casas noturnas fechando as portas para evitar a violência dos cartéis.
À medida que o Equador se tornou um epicentro do comércio global de cocaína — e a cidade portuária de Guayaquil uma importante via —, cartéis e máfias dominaram as animadas "zonas rosas" da cidade — áreas de vida noturna.
Valeria Buendía, uma professora de 36 anos, costumava ir à Calle Panamá uma vez por semana com amigos.
A rua antes movimentada e quente, não muito distante do rio, agora fica vazia quando a noite cai.
A professora recita os nomes de antigos lugares frequentados — Central, Exflogia, Nicanor —, mas agora, segundo ela, "ficou perigoso".
"Tenho medo de balas perdidas", disse Buendía.
Com mais de 5.200 homicídios registrados desde o início deste ano, de acordo com dados do governo, o Equador se tornou o país mais perigoso da América do Sul.
Mais de 1.550 dessas mortes — cerca de um terço — aconteceram em Guayaquil, lar de cerca de 2,8 milhões de pessoas e centro comercial do país.
A violência se refletiu profundamente na Calle Panamá.
As luzes de neon, a música e os dançarinos desinibidos se mudaram para bairros luxuosos na periferia, acessíveis apenas a poucos privilegiados.
A 20 minutos de carro, no luxuoso enclave peninsular de Samborondón, os equatorianos ricos ainda podem aproveitar a noite fora de casa.
Na região, vigilantes armados com fuzis protegem mulheres de salto alto e homens bem-vestidos enquanto eles passam por detectores de metal.
Um dono de boate que se mudou do centro para Samborondón lamenta: "seria suicídio investir em Guayaquil" hoje.
'Não consegui mais pagar'
Os proprietários de bares que permaneceram no local têm de conviver com ameaças e extorsões.
Um ex-proprietário de bar, que pediu anonimato por medo de represálias, contou à AFP como a extorsão destruiu seu meio de vida.
"Primeiro, me pediram US$ 50 por semana, depois US$ 100 e foi aumentando até que não consegui mais pagar", disse.
Cansado de pagar extorsão para manter seu negócio funcionando, o dono de uma boate de salsa no centro fechou o local em dezembro de 2024.
Ele estima ter pago "uns US$ 10.000" em extorsões. Agora, dirige um táxi.
Os moradores locais dizem que a maioria dos bares paga US$ 300 por mês, ou até US$ 5.000 no caso de estabelecimentos maiores. Muitos pagamentos são feitos por meio do sistema financeiro, via transferência bancária.
Quando a noite cai
No primeiro semestre de 2025, o Equador registrou 9.422 denúncias formais de extorsão. Desse total, um terço ocorreu em Guayaquil.
Estima-se que o número real seja significativamente maior, já que muitos optam por não denunciar os crimes por temerem retaliação.
Um empresário com um quarto de século de experiência em casas noturnas disse ter recebido uma mensagem de extorsão em 2021.
"Fiquei chocado; liguei para minha esposa porque tinham mencionado minha família", contou.
Ele nunca relatou o caso às autoridades e optou por fechar seu estabelecimento.
Quem não paga sofre consequências.
O empresário lembra de um restaurante no bairro de Urdesa, em Guayaquil, onde uma mala contendo explosivos foi jogada como advertência em julho.
A polícia conseguiu desativá-los antes que explodissem.
Em maio, 10 pessoas foram mortas a tiros em uma boate e, três meses depois, um ataque com armas em um bar matou uma pessoa e feriu três.
Ernesto Vasquez, dirigente de uma associação de casas noturnas local, estima que 50% das centenas de bares do centro e do sul da cidade fecharam.
As gangues de traficantes ficam cada vez mais ousadas, apesar da estratégia do presidente Daniel Noboa de enfrentá-las com pressão militar.