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Xinhua explora seus próprios repórteres na América Latina, dizem fontes
Jornalistas na Colômbia e na Venezuela afirmam que funcionários da Xinhua sofreram retenção de salários, violações das leis trabalhistas, demissões injustas e outras injustiças.
![Pessoas passam pela sede da Agência de Notícias Xinhua em Hong Kong em 2008. [Mike Clarke/AFP]](/gc4/images/2024/12/23/48589-xinhua2-600_384.webp)
Por Andrés Pachón |
BOGOTÁ – A agência de notícias estatal chinesa Xinhua teria adotado práticas trabalhistas irregulares na Colômbia nos últimos anos, incluindo demissões injustificadas de jornalistas e cortes salariais que violam as leis trabalhistas colombianas.
Desde que Zhou Shengping assumiu como diretor do escritório da Xinhua em Bogotá, no fim de 2022, os funcionários têm enfrentado condições de trabalho cada vez mais desafiadoras.
A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) descreveu a Xinhua como “a maior agência de propaganda do mundo."
Um jornalista familiarizado com os desafios enfrentados pelos repórteres da Xinhua, que pediram anonimato para evitar possíveis retaliações contra seus colegas, compartilhou detalhes com o Entorno.
![Sede em Pequim da Xinhua, a agência de notícias estatal chinesa rotulada como "a maior agência de propaganda do mundo" pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) que enfrenta alegações de práticas trabalhistas irregulares. [Entorno]](/gc4/images/2024/12/23/48588-xinhua_beijing-600_384.webp)
"Embora seja uma empresa estatal do governo chinês, a Xinhua não cumpre as leis trabalhistas em vários países da América Latina, incluindo a Colômbia", disse a fonte. "[Ela] viola as normas e códigos trabalhistas, aproveitando-se do fato de que as leis são brandas e que a justiça é necessária."
Pagamentos retidos
O escritório da Xinhua em Bogotá emprega em média uma equipe de cinco jornalistas sob contratos de prestação de serviços em vez de empregos formais, disse a fonte.
Embora a lei trabalhista colombiana preveja uma jornada de trabalho de oito horas, os contratos da Xinhua exigem que os jornalistas estejam disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem pagamento de horas extras.
"Os representantes chineses da Xinhua na Colômbia alegam que os contratos de prestação de serviços não contemplam horários fixos e que, consequentemente, os contratados devem estar disponíveis 24 horas por dia, durante toda a semana, para trabalharem quando isso for solicitado e enviarem as reportagens quando solicitadas", disse a fonte.
No fim de 2022, a Xinhua rescindiu os contratos de dois membros de sua equipe de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas sem justificativa, de acordo com a fonte.
Os jornalistas teriam sofrido assédio no local de trabalho por parte de Zhou, o que culminou na retenção de salários e na demissão.
O Entorno entrou em contato com Zhou para comentários, mas não recebeu resposta até o momento da publicação.
'Agentes de propaganda'
Muitas matérias precisam primeiro passar por revisão e aprovação das embaixadas chinesas na América Latina antes da publicação, relataram jornalistas da Xinhua.
Os diretores do departamento em cada país, todos cidadãos chineses, supervisionam o processo.
"Aparentemente, isso também ocorre em quase todos os países latino-americanos nos quais a Xinhua está presente, segundo comentários de colegas na Venezuela, no México e Equador", disse a fonte.
Na Colômbia, assim como em outros países, "o diretor da agência envia à embaixada as matérias sobre determinados temas, e a embaixada decide se os publica ou não", acrescentou a fonte.
“Assim, no organograma das embaixadas, os diretores da Xinhua não realizam trabalho jornalístico, mas sim de propaganda dentro da estrutura da embaixada."
Ação trabalhista na Venezuela
A situação na Colômbia é semelhante ao que ocorre na Venezuela há mais de uma década, conforme revelado durante uma conversa telefônica com um ex-jornalista da Xinhua baseado em Caracas.
"A cada três meses, periodicamente, tínhamos de preparar um relatório sobre a situação política e econômica do país", disse o ex-jornalista, que pediu anonimato, ao Entorno.
"Era um relatório secreto, apenas para os chefes chineses, por isso não foi publicado. Eles poderiam perguntar ao assessor de imprensa da embaixada, mas por algum motivo nos confiaram. Acho que eles confiaram mais em nosso julgamento porque éramos locais", disse o ex-jornalista.
A fonte, assim como todos os outros no escritório venezuelano da Xinhua, foi demitida em 2013 após processar a agência por violações de direitos trabalhistas.
Diante desse contratempo, diplomatas chineses enfurecidos fecharam o escritório depois que os jornalistas entraram com o processo.
O governo então multou a Xinhua em mais de US$ 476.000 por violar a Lei Orgânica do Trabalho e dos Trabalhadores da Venezuela (conhecida como LOTTT, na sigla em espanhol) e a Lei sobre o Exercício do Jornalismo.
A Xinhua não registrou funcionários para a Previdência Social obrigatória e não compensou horas extras, informou o El Universal em 15 de outubro de 2013.
"Um dos pontos principais do processo foi a demanda por benefícios sociais não pagos", disse a fonte, acrescentando que o caso revelou que a Xinhua pagou a repórteres no Equador valores abaixo do salário mínimo legal.
A Inspetoria do Trabalho da Venezuela também identificou "casos de discriminação trabalhista e violações dos direitos das mulheres", conforme relatado pelo El Universal em 2013.
Representantes da Xinhua insistiram que as leis trabalhistas para funcionários da Xinhua na Venezuela "deveriam seguir as da República Popular da China", informou o El Universal.
A Xinhua não honrou acordos contratuais básicos, disse o ex-jornalista.
Autoenriquecimento
O ex-funcionário expôs mais irregularidades cometidas pelos diretores da Xinhua, alegando que eles desviaram fundos destinados a jornalistas locais para benefício pessoal.
"No nosso caso, descobrimos que os nossos executivos chineses viajaram de Caracas para a Colômbia para trocar dólares por bolívares, de forma que nos pagassem em moeda local. Aproveitaram a acentuada desvalorização e mantiveram o resto do dinheiro em dólares", afirmou.
Esse autoenriquecimento foi possível porque o escritório de Caracas pagava jornalistas em dinheiro. A prática, segundo fontes, persistiu em Bogotá até alguns anos atrás.
A ação vitoriosa trouxe mudanças significativas.
Quando a Xinhua finalmente reabriu seu escritório em Caracas, as autoridades venezuelanas a obrigaram a se registrar como uma entidade comercial, processar pagamentos de funcionários por meio de transferências bancárias e nomear um vice-diretor local — uma estrutura que permanece em vigor até hoje.
No entanto, de acordo com a fonte, a situação na Colômbia é diferente. Os diretores da Xinhua lá não têm registro comercial formal e até agora evitaram processos trabalhistas.
"Por isso, mantêm seu histórico de abusos trabalhistas", explicou a fonte, acrescentando que é altamente provável que esse mau comportamento esteja acontecendo em outros países latino-americanos e no mundo.