Segurança

No Rio de Janeiro, caminho errado leva do paraíso ao perigo

Rio de Janeiro encanta milhões, mas, por trás das batidas de samba, tiroteios armados e tensos confrontos revelam uma cidade onde o paraíso e o perigo ainda colidem.

Vista da favela do Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro. A maioria dos milhões de turistas que visitam o Rio todos os anos aproveita o mundialmente famoso carnaval, as praias e a vida noturna sem chegar perto das guerras entre facções que acontecem na região [Pablo Porciuncula/AFP]
Vista da favela do Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro. A maioria dos milhões de turistas que visitam o Rio todos os anos aproveita o mundialmente famoso carnaval, as praias e a vida noturna sem chegar perto das guerras entre facções que acontecem na região [Pablo Porciuncula/AFP]

Por AFP |

RIO DE JANEIRO, Brasil — Uma das vítimas visitava o icônico Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Outra pegou um Uber para curtir a noite na cidade.

Ambas acabaram mortas a tiros depois que seguiram a orientação de aplicativos de navegação por Sistema de Posicionamento Global (GPS) e foram parar repentinamente em favelas dominadas por facções do tráfico de drogas que travam uma intensa batalha por território.

A maioria dos milhões de turistas que visitam o Rio todo ano aproveita o mundialmente famoso carnaval, as praias e a vida noturna sem chegar perto das guerras de gangues que acontecem nas periferias.

Mas tiroteios recentes realizados por homens armados com rifles posicionados nas entradas das favelas trouxeram novamente à tona os desafios de segurança do Rio.

Motorista de Uber no Rio de Janeiro exibe um aviso do Waze em seu celular com o alerta: "Este destino está em uma área que pode ter um risco maior de crimes". Apesar do mundialmente famoso carnaval, das praias e da vida noturna da cidade, a violência entre facções continua sendo uma ameaça persistente e, muitas vezes, invisível. [Pablo Porciuncula/AFP]
Motorista de Uber no Rio de Janeiro exibe um aviso do Waze em seu celular com o alerta: "Este destino está em uma área que pode ter um risco maior de crimes". Apesar do mundialmente famoso carnaval, das praias e da vida noturna da cidade, a violência entre facções continua sendo uma ameaça persistente e, muitas vezes, invisível. [Pablo Porciuncula/AFP]

Em dezembro, um turista argentino que voltava do Cristo Redentor com a esposa e os filhos seguiu a direção do GPS e entrou em uma favela. Ele foi atingido por dois tiros e morreu no hospital.

Duas semanas depois, uma turista de São Paulo foi baleada no pescoço e morreu depois que seu motorista de Uber fez um desvio errado enquanto a levava para uma festa.

Na metade de janeiro, um vídeo de câmera veicular viralizou ao mostrar outro motorista de Uber implorando por "perdão" a homens armados com fuzis. Ele havia sido direcionado por engano à comunidade Cidade Alta, com um passageiro aterrorizado no banco traseiro.

"Os caras lá têm medo que seja alguém da polícia ou de gangues rivais", disse o advogado brasileiro-americano Victor Sarto, 41, que esteve sob a mira de uma arma quando ele e um grupo de amigos foram parar em uma favela após uma visita ao Cristo Redentor em 2019.

'É muito rápido como o cenário muda'

Segundo o Instituto Fogo Cruzado, que monitora tiroteios em centros urbanos, 19 pessoas foram baleadas, cinco delas fatalmente, após incidentes em que civis e policiais entraram acidentalmente em favelas em 2024 — o maior número desde que a rede começou a rastrear esses casos, em 2016.

"Isso tem a ver, obviamente, com a geografia do Rio de Janeiro. E tem a ver com o problema do controle territorial do Rio de Janeiro, sem sombra de dúvida", disse a diretora de dados do instituto, Maria Isabel Couto.

As favelas do Rio, onde vivem cerca de 1,5 milhão de moradores, ficam nos morros íngremes que emolduram dramaticamente a cidade.

Outras estão espremidas entre condomínios ou próximas a grandes rodovias.

"É muito rápido como o cenário muda", disse à AFP o secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Victor dos Santos.

"Quando uma pessoa entra muito rápido num local desses, o criminoso que está ali atento, esperando um adversário, um concorrente, acaba atirando primeiro pra depois ver quem é."

Em comunicado à AFP, a Uber disse que sua tecnologia de segurança "pode bloquear pedidos de viagem de áreas com desafios de segurança pública em momentos e dias específicos".

Um porta-voz do Google, proprietário de dois aplicativos de navegação populares, disse que a empresa não comentaria o problema dos mapas que desviam usuários para áreas perigosas.

'Tem regras'

Pelo menos quatro facções criminosas disputam o poder territorial no Rio e 20% da região metropolitana está sob o controle desses grupos, disse Couto.

Um antigo morador da Cidade Alta, onde cinco pessoas foram baleadas e feridas após entrarem acidentalmente na favela em 2024, disse à AFP que há "regras" que os moradores conhecem para se deslocar pela região.

Isso inclui dirigir a no máximo "20 km por hora"."Depois, tem de estar com as janelas abertas, com a luz de salão acesa e uma luz de pisca alerta piscando", contou o morador, que não quis ser identificado por questões de segurança.

Couto discorda que existam "zonas proibidas" nas favelas da cidade, onde residem moradores pobres e de classe média, que já enfrentam problemas com linhas de transporte precárias.

O Supremo Tribunal Federal (STF) atualmente avalia se vai manter regras impostas há cinco anos que limitam operações policiais em favelas para reduzir a alta taxa de mortalidade de moradores.

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