Diplomacia
Queda de al-Assad na Síria mostra riscos de depender de Moscou
Atolada na guerra que escolheu contra a Ucrânia, a Rússia viu seu principal aliado no Oriente Médio cair pelas mãos dos rebeldes. Será a Venezuela a próxima?
![Primeiras páginas de alguns jornais russos, dominadas por histórias sobre a queda do presidente sírio Bashar al-Assad, em 9 de dezembro. [Alexander Nemenov/AFP]](/gc4/images/2024/12/11/48467-afp__20241209__36px8m6__v1__highres__russiasyriaconflictmedia-600_384.webp)
Por Entorno e AFP |
KYEV – Muitos membros da comunidade internacional saudaram a destituição do líder sírio Bashar al-Assad, associando a queda do regime à sua dependência de Moscou, cujas forças armadas estão envolvidas na guerra da Ucrânia.
A Rússia tem bases militares e navais de valor estratégico na Síria, onde lançou uma intervenção militar ao lado de al-Assad em 2015.
Dois anos mais tarde, o presidente russo, Vladimir Putin, declarou que Moscou tinha cumprido sua missão na guerra civil síria e que a Rússia estava lá para ficar.
“Se os terroristas voltarem a levantar a cabeça, faremos ataques sem precedentes, diferentes de tudo o que eles já viram”, ameaçou ele em 11 de dezembro de 2017.
![Presidente russo, Vladimir Putin (à direita), cumprimenta seu homólogo sírio, Bashar al-Assad, em Moscou, em 24 de julho, nesta fotografia de arquivo distribuída pela agência estatal russa Sputnik. Os rebeldes tomaram Damasco em 8 de dezembro, fazendo com que al-Assad fugisse, muito provavelmente para a capital russa. [Valery Sharifulin/Pool/AFP]](/gc4/images/2024/12/11/48468-afp__20241208__36pv8d4__v2__highres__filesrussiasyriapoliticsassad-600_384.webp)
Mas quando os rebeldes, dominados pelo grupo islamita Hayat Tahrir al-Sham (HTS), varreram a Síria nas últimas semanas com o objetivo de derrubar o principal aliado da Rússia no Oriente Médio, esses ataques “sem precedentes” não se concretizaram.
O custo da guerra
O esforço de guerra de Moscou na Ucrânia esgotou sua capacidade de apoiar a Síria, segundo analistas e autoridades ucranianas.
Em fevereiro de 2023, o então Secretário de Estado da Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, estimou que “97% do exército russo, todo o exército russo, está na Ucrânia”.
“Se 97% do exército russo está agora empenhado na Ucrânia, com uma taxa de desgaste muito elevada, com uma eficácia de combate potencialmente reduzida em 40% e com cerca de dois terços dos seus tanques destruídos ou avariados, isso tem um impacto direto na segurança da Europa”, disse ele.
“O nosso envolvimento teve um custo”, comentou Anton Mardasov, analista do Oriente Médio baseado em Moscou, ao The New York Times, em reportagem de 8 de dezembro, se referindo à guerra da Rússia na Ucrânia. “O custo foi a Síria.”
As décadas de governo de Al-Assad transformaram “a Síria num Estado pária que dependia da proteção e do apoio de outras ditaduras”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia em um comunicado de 8 de dezembro.
Seu afastamento “também enfraquecerá significativamente o expansionismo da Rússia, que há anos usa o território sírio, seus recursos e seu povo como ponto de apoio para espalhar sua influência destrutiva no Oriente Médio, comprometer a estabilidade e a segurança regionais e criar focos de ameaça para os Estados vizinhos da Síria”, segundo o documento.
“Assad caiu”, escreveu o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrii Sybiha, no X. “É assim que sempre foi e sempre será para os ditadores que apostam em Putin. Ele trai sempre aqueles que confiam nele.”
'Parceiros não confiáveis'
O primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, afirmou que a queda de al-Assad mostra que a Rússia e seus aliados podem ser derrotados.
O país membro da União Europeia (UE) e da OTAN funciona como um centro logístico crucial para a ajuda militar ocidental a Kiev.
“Os acontecimentos na Síria fizeram com que o mundo mais uma vez percebesse, ou pelo menos deveria, que até o regime mais cruel pode cair e que a Rússia e seus aliados podem ser derrotados”, publicou Tusk no X.
“A Rússia e o Irã foram os principais apoiadores do regime de Assad e partilham a responsabilidade pelos crimes cometidos contra o povo sírio”, disse o Secretário-Geral da OTAN, Mark Rutte.
“Eles também se revelaram parceiros pouco confiáveis, abandonando Assad quando ele deixou de ser útil.”
“O fim da ditadura de Assad é um acontecimento positivo e há muito esperado”, declarou a principal diplomata da UE, Kaja Kallas, no X. “Também mostra a fraqueza dos apoiadores de Assad, Rússia e Irã.”
Sem tempo para a Síria
“De que serve a Rússia como parceira se não consegue salvar seu cliente mais antigo no Oriente Médio de um bando de milícias?”, perguntou Eugene Rumer, diretor do Programa Rússia e Eurásia no Carnegie Endowment for International Peace em Washington.
“Além do revés operacional, trata-se também de um abalo diplomático e de reputação.”
A vitória dos rebeldes, explicou ao The New York Times, se tornou “parte do preço que estão pagando pela guerra na Ucrânia”.
“As prioridades mudaram completamente”, disse o jornalista russo Denis Korotkov. “Não havia tempo para a Síria.”
Regimes vulneráveis na América Latina
A queda do regime de al-Assad destaca a fragilidade dos governos autoritários e sinaliza potenciais efeitos em cadeia na América Latina, apesar do apoio de aliados como a Rússia e o Irã.
Ambas as nações viram diminuídas suas capacidades de apoiar parceiros no Oriente Médio, quanto mais em regiões distantes como Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Os governos de Caracas, Manágua e Havana estão observando de perto o colapso da Síria “com grande apreensão”, ressaltou Geoff Ramsey, analista do Conselho do Atlântico, à Voz da América (VOA) em artigo publicado em 10 de dezembro.
“Isto envia um sinal de vulnerabilidade aos aliados latino-americanos do regime de Assad e pode minar a imagem da Rússia como um garantidor confiável de estabilidade e apoio político, militar e econômico”, declarou Ramsey.
Elsa Cardozo, professora e especialista em relações internacionais, explicou à VOA que nem a Rússia e nem o Irã estão em posição de dar apoio inabalável a regimes ideologicamente alinhados a eles, como o de Assad.
Ela observou que a guerra na Ucrânia esgotou os recursos de Moscou, enquanto Teerã, preocupada com a escalada das tensões com Israel, não foi capaz de prestar assistência significativa a Assad no ano passado.
Cardozo acrescentou que o desafio de defender os aliados se torna ainda mais acentuado quando esses parceiros estão “a milhares de quilômetros de distância”, como nas Américas.