Política

Prisões em massa de manifestantes assustam venezuelanos

Mais de 2.400 pessoas foram presas, algumas sob acusações de terrorismo, como repressão do regime após a contestada reeleição de Nicolás Maduro na Venezuela.

Líder da oposição venezuelana, Maria Corina Machado, fala com apoiadores enquanto segura atas eleitorais durante comício em Caracas, em 28 de agosto. [Juan Barreto/AFP]
Líder da oposição venezuelana, Maria Corina Machado, fala com apoiadores enquanto segura atas eleitorais durante comício em Caracas, em 28 de agosto. [Juan Barreto/AFP]

Por AFP |

CARACAS — Edward Ocariz estava preparando o almoço em casa, numa favela de Caracas, quando a polícia invadiu o local.

"Você vem com a gente", disseram os policiais, enquanto vizinhos furiosos gritavam: "malditos!".

Ocariz é uma das 2.400 pessoas detidas desde a contestada reeleição de Nicolás Maduro na Venezuela.

A polícia — sem mandado de prisão — levou Ocariz uma semana após a eleição de 28 de julho, que gerou protestos em todo o país, até mesmo em algumas áreas geralmente pró-governo.

Pessoas pedem liberdade para presos políticos durante comício em Caracas. [Juan Barreto/AFP]
Pessoas pedem liberdade para presos políticos durante comício em Caracas. [Juan Barreto/AFP]
Mulher grita slogans enquanto segura atas eleitorais durante comício convocado pela oposição em Caracas. [Pedro Rances Mattey/AFP]
Mulher grita slogans enquanto segura atas eleitorais durante comício convocado pela oposição em Caracas. [Pedro Rances Mattey/AFP]

A violência deixou 27 mortos e quase 200 feridos.

Ocariz, 53, que morava no bairro pobre de Coche, na zona oeste da capital, já tinha reclamado sobre abusos de poder do governo.

Ele foi acusado de crimes como terrorismo e incitação ao ódio e levado para uma prisão de segurança máxima.

'Eles vão pagar!'

"É injusto", protestou sua irmã Sol, 65, à AFP. "Não posso deixar meu irmão, que é inocente, ser preso. Ele era um ativista dos direitos humanos. Tudo o que ele fez foi denunciar irregularidades."

Sol mostrou à AFP vídeos da prisão de seu irmão: vestindo chinelos, camiseta e shorts, ele foi algemado e violentamente levado por quatro policiais encapuzados.

"Eles o estão levando embora!" Diz alguém durante a gravação. "Malditos! Um dia eles vão pagar!" Gritavam os vizinhos de suas sacadas.

Maduro alega que os presos foram recrutados pela oposição para incitar a violência no país sul-americano.

O protesto foi rapidamente reprimido. Só no primeiro dia, mais de 700 pessoas foram presas.

O governo pediu que a população denuncie atividades suspeitas na Operação Tun Tun — o som de batidas na porta quando os policiais chegam.

Mais de 2.400 pessoas foram presas, algumas sob acusações de terrorismo. Mais de 100 delas são adolescentes.

Dezenas de cidadãos se reuniram do lado de fora das prisões em busca de notícias de seus entes queridos. As visitas são limitadas e a maioria dos detidos acaba com defensores públicos.

"Desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias se tornaram o novo normal", acusou a ONG de direitos humanos Provea. A organização relatou uma média de 150 prisões por dia ao longo de duas semanas.

"Passamos de um período de perseguição seletiva para um de perseguição em massa."

Maduro afirma que está garantindo a paz e apelou à cooperação entre civis, militares e policiais.

'Apavorado'

Ocariz foi levado para a prisão de Tocuyito, uma das duas unidades de segurança máxima onde os manifestantes estão detidos.

"Isso é terrível, mas a gente tem que fazer alguma coisa", exaltou Sol. Ela garantiu que não tem medo de falar sobre o caso do irmão -- o que a torna uma rara exceção entre os amigos e parentes dos detidos, muitas vezes em pânico.

Entre estes está José, 31, que pediu que seu nome verdadeiro não fosse usado por estar "apavorado".

Dois de seus amigos estão presos, irmãos de 23 e 27 anos, a quem ele chamou de Luis e Carlos (nomes fictícios).

"A gente realmente não sabe o que dizer, com quem falar", por causa do risco de um informante denunciar à polícia, explicou José.

Luis e Carlos protestaram em 29 de julho em uma avenida central da capital, cheia de pessoas agitando bandeiras e queimando pneus.

"Eles queriam defender o direito ao voto" de "forma pacífica", relatou José.

A polícia invadiu o apartamento dos irmãos no bairro operário de La Candelaria para prendê-los, deixando sua mãe em "angústia permanente".

José então abraçou a causa.

"Isso é realmente aflitivo. É muito difícil sorrir", lamentou a mãe de Adrian, um garoto de 16 anos detido por soldados na rua.

Como os demais, ela tem medo de dar seu nome completo.

Mas as redes sociais estão repletas de depoimentos anônimos de parentes angustiados de detidos.

Sol, que conseguiu visitar o irmão na prisão, revelou que perguntou a ele: "como você quer que a gente lide com isso?"

"Deem o seu melhor", ele respondeu com firmeza.

"E aqui estou eu. Não estamos brincando", finalizou ela.

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