Crime e Justiça
Cartéis mexicanos visam expansão do mercado de drogas no Brasil
Portos brasileiros emergiram como canais essenciais na rede global do comércio de cocaína, e colaborações locais com cartéis mexicanos facilitaram o processo.
![O líder da organização criminosa brasileira Primeiro Comando da Capital (PCC), Marco Williams Herbas Camacho, mais conhecido como Marcola, é transportado pela Polícia Federal para um presídio de segurança máxima em Brasília. [Departamento Penitenciário Nacional]](/gc4/images/2023/09/18/44010-brasil1-600_384.webp)
Por Waldaniel Amadis |
SÃO PAULO – Um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) destaca que o expressivo consumo de drogas ilícitas no Brasil, somado ao status do país de importante canal de tráfico de drogas para a Europa e a África, chamou a atenção dos cartéis de drogas mexicanos.
Um documento, anteriormente classificado como "reservado" e parcialmente liberado, encaminhado pela ABIN ao Entorno, revela que dois cartéis mexicanos com atuação na América do Sul estão vendo o Brasil não apenas como plataforma de lançamento para rotas de tráfico de drogas, mas também como um mercado de consumo atraente.
O relatório da ABIN, inicialmente compilado em 2018 e atualmente quase todo liberado com base na Lei de Acesso à Informação, mostra como os cartéis mexicanos, enfrentando suas próprias batalhas internas, voltaram suas atenções ao Brasil.
Essa mudança é impulsionada principalmente pelos elevados níveis de consumo de drogas no Brasil e pelas oportunidades que isso representa para o tráfico.
![Viatura da Polícia Militar estacionada em frente à sede da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), em Brasília. [UM BALDE]](/gc4/images/2023/09/18/44011-brasil2-600_384.webp)
De acordo com o relatório, os dois principais cartéis mexicanos procuram ativamente ampliar sua influência no Brasil e os principais motivadores dessa expansão incluem dois fatores críticos.
Em primeiro lugar, o “intenso combate” ao crime organizado no México obrigou esses cartéis a redirecionar o foco para a exportação de suas operações.
Em segundo lugar, o Brasil é considerado um "importante mercado de consumo e rota de tráfico de drogas”, o que reforça a importância do país como alvo dos esforços de expansão dos cartéis.
“Reconhecidas pela extrema violência, o que as torna uma das organizações mais perigosas do mundo, as organizações mexicanas continuam a expandir sua influência nos países produtores, consumidores e de trânsito de drogas, como o Brasil", afirma o documento.
Níveis crescentes de violência
A ABIN estava particularmente apreensiva em relação aos cartéis Jalisco Nueva Generación (CJNG) e Sinaloa; o primeiro surgiu anos atrás, de uma facção dissidente do Sinaloa.
O relatório foi elaborado na época em que essas duas organizações criminosas firmaram parceria com a facção Primeiro Comando da Capital (PCC) no Brasil. O PCC, considerado o maior grupo criminoso do país, teve origem nas prisões de São Paulo na década de 1990.
A ABIN ficou especialmente preocupada com a possibilidade de o CJNG estabelecer uma posição segura no Brasil, principalmente por uma característica distintiva do cartel: ele é conhecido pelo uso extremo de violência, tanto contra facções rivais quanto contra forças de segurança.
Com essa crueldade, o cartel expandiu seu domínio, estendendo-se desde a costa do Pacífico até o Golfo do México.
“Além de dedicar-se ao tráfico de drogas, [o CJNG] dedica-se aos crimes de extorsão e sequestro, roubo de veículos e tráfico de armas. Também se especializou em oferecer serviços de lavagem de dinheiro em paraísos fiscais para outras facções e até para grupos empresariais", afirmou a Abin.
Alerta oficial emitido para o Brasil
Em janeiro de 2022, a revista Veja divulgou que as autoridades brasileiras haviam recebido advertências de seus homólogos mexicanos sobre o estabelecimento de “conexões tangíveis” do PCC com os cartéis CJNG e Sinaloa.
A ligação do PCC com os cartéis mexicanos foi iniciada por Gilberto Aparecido dos Santos, conhecido como Fuminho, que serviu como braço direito do líder do PCC Marco Wilians Herbas Camacho, o Marcola. Marcola está preso há muitos anos e em 2023 foi transferido para um presídio de segurança máxima em Brasília.
Segundo a revista semanal, as autoridades mexicanas comunicaram essas ações à Embaixada do Brasil em 2018.
Fuminho foi preso em Moçambique em 2020 e depois extraditado ao Brasil. Hoje, está detido na prisão de alta segurança de Catanduvas, no estado do Paraná.
Os objetivos e desdobramentos da aliança entre o PCC e os dois cartéis são investigados tanto pela ABIN quanto pela Polícia Federal, conforme uma fonte policial consultada pelo Entorno.
Segundo a fonte, os cartéis mexicanos não estabeleceram presença física no território brasileiro. No entanto, os seus contatos com o PCC facilitaram várias transações comerciais, colaborações na lavagem de dinheiro e a abertura de novas rotas para o transporte de drogas.
Os portos brasileiros emergiram como canais essenciais na rede global de comércio de cocaína. As colaborações com os cartéis mexicanos e a máfia italiana 'Ndrangheta facilitaram o fluxo de cocaína para a Europa, de onde a droga é posteriormente distribuída para organizações criminosas, de acordo com o relatório InSight Crime, de janeiro de 2022.
Além disso, essas ligações facilitaram transações ilícitas com grupos criminosos que operam na África Ocidental.