Crime e Justiça
Villavicencio silenciado: as últimas palavras do candidato anticorrupção sobre a China
"A China deve responder por casos muito graves de corrupção", disse o candidato à presidência do Equador Fernando Villavicencio dias antes de ser morto a tiros durante uma campanha.
![Pessoas se protegem depois que tiros foram disparados no final de um comício do candidato à presidência equatoriana Fernando Villavicencio em Quito, em 9 de agosto. Villavicencio foi assassinado "por supostos atiradores com três tiros na cabeça", segundo reportagem do principal jornal do país, o El Universo. [AFP]](/gc4/images/2023/08/11/43451-ecuador1-600_384.webp)
Por Entorno e AFP |
QUITO -- Alguns dias antes de seu assassinato, o candidato à presidência equatoriana Fernando Villavicencio discursou publicamente contra o Acordo de Livre Comércio (ALC) com a China, citando inúmeros casos de corrupção envolvendo empresas estatais chinesas que operam no Equador.
Villavicencio, um jornalista de 59 anos, paladino anticorrupção e o segundo candidato mais popular da corrida presidencial do Equador, foi assassinado em Quito, a capital do país, nesta quarta-feira (9 de agosto).
Ele foi morto por uma saraivada de tiros de metralhadora ao sair de um comício, e o principal jornal do país, o El Universo, relatou que ele foi assassinado "por supostos atiradores com três tiros na cabeça".
Segundo a polícia, seis colombianos foram presos em conexão com o assassinato de Villavicencio. Outro agressor, também colombiano, foi morto a tiros por agentes de segurança, disseram as autoridades.
![Homem olha para uma faixa com a figura do candidato à presidência equatoriana Fernando Villavicencio durante comício em um complexo esportivo em Quito, onde ele foi assassinado em 9 de agosto. [Rodrigo Buendía/AFP]](/gc4/images/2023/08/11/43452-ecuador2-600_384.webp)
O ministro do Interior, Juan Zapata, disse que os agressores pertenciam a "grupos do crime organizado", sem especificar quais.
Villavicencio havia se queixado de receber ameaças do grupo Los Choneros, uma das gangues de drogas mais poderosas do país.
Autoridades eleitorais relataram ameaças contra elas antes da eleição antecipada de 20 de agosto. Um prefeito e um aspirante a deputado populares também foram assassinados nas últimas semanas.
O presidente Guillermo Lasso declarou dois meses de estado de exceção e disse que a Agência Federal de Investigação dos EUA (FBI) aceitou a solicitação de ajuda do país, com a chegada de uma delegação em breve.
Resistência à China
Villavicencio estava na vanguarda da luta anticorrupção no Equador, tendo denunciado irregularidades em contratos públicos a apenas alguns dias antes de ser assassinado.
"Não dá para assinar um acordo com a China sem abordar a questão da corrupção", disse Villavicencio em 31 de julho, durante uma entrevista ao programa de TV "Políticamente Correcto Electoral" (Politicamente Correto Eleitoral).
Ele frisou que a China deve ser responsabilizada pela corrupção perpetrada por suas empresas estatais no Equador.
"A China deve responder por casos muito graves de corrupção", disse.
"Aqui há bilhões de dólares em danos a este país por empresas chinesas."
Villavicencio prometeu fazer tudo ao seu alcance para impedir que o ALC entrasse em vigor.
O ALC entre a China e o Equador foi assinado por ambos os lados há três meses, mas ainda precisa de uma revisão pelo Tribunal Constitucional do Equador e sua aprovação ou rejeição pela Assembleia Nacional.
Villavicencio afirmou que governos equatorianos anteriores se envolveram em "pilhagens" como a venda de petróleo para a China com prejuízo, "construindo usinas hidrelétricas que não funcionam e por sobrepreços" e supostamente construindo "refinarias fantasmas" que na verdade não existem.
O Sistema Judiciário equatoriano está investigando vários casos de corrupção envolvendo antigas autoridades de alto escalão, inclusive o ex-presidente Lenin Moreno. Os casos envolvem alegações de suborno por empresas estatais chinesas para a construção de projetos de infraestrutura no Equador.
O caso de maior destaque é a investigação da Sinohydro Corporation, uma empresa estatal de construção chinesa, que é acusada de pagar suborno a Moreno e a outras autoridades em troca de contratos para construir usinas hidrelétricas e outros projetos de infraestrutura no Equador.
Acordo suspeito
O ALC Equador-China é o primeiro acordo comercial firmado pelo Equador com um país asiático e foi assinado virtual e simultaneamente em 10 de maio em Quito e em 11 de maio em Pequim.
Enquanto o Equador espera que o novo tratado comercial gere mais oportunidades de emprego, os economistas estão preocupados que ele possa levar à perda de postos de trabalho e outras consequências indesejadas.
Atualmente, 1,2 milhão de empregos estão ligados ao setor de exportação e esse número pode dobrar até 2033, segundo o ministro do Comércio equatoriano, Julio José Prado.
No entanto, alguns líderes de outros setores, com o têxtil e o calçadista, temem que não poderão competir em nível de preço com os produtos chineses.
Outra preocupação é que o acordo possa dar à China uma maior influência política no Equador.
Assim como outros países que assinaram acordos com a China, o Equador se tornou uma vítima da "diplomacia da armadilha do endividamento" que atrai os países a um débito insustentável e permite a indevida influência chinesa.
A China se tornou a maior financiadora do Equador durante o governo de Rafael Correa, que permaneceu no poder de 2007 a 2017. Nesse período, a dívida do Equador com a China atingiu US$ 5 bilhões (R$ 24,5 bilhões), representando 4% do PIB atual do país.
Em setembro passado, o Equador foi forçado a fazer um acordo para reestruturar sua dívida com bancos chineses, promovendo um alívio de US$ 1,4 bilhão (R$ 6,860 bilhões) até 2025.