Crime e Justiça
"Agentes adormecidos" russos na América do Sul são mobilizados após invasão da Ucrânia
EUA querem falar com um russo que se disfarçou de estudante brasileiro em Washington. Ele é acusado de espionar para a inteligência militar russa.
![Sergey Cherkasov está sendo acusado de ser um "agente adormecido" russo que se envolveu em atividades ilegais de inteligência nos Estados Unidos, na Irlanda e no Brasil. Ao longo dos anos, ele teria espionado para o GRU, o serviço de inteligência militar russo. [Instagram]](/gc4/images/2023/08/07/43349-sergey_vladimir_cherkasov__instagram-600_384.webp)
Por Waldaniel Amadis |
SÃO PAULO – O governo brasileiro rejeitou o pedido de extradição feito pelos Estados Unidos para um suposto espião russo detido em Brasília. Em um movimento surpreendente, os tribunais brasileiros também reduziram a pena de prisão do espião de 15 anos para 5 anos e 2 meses.
O indivíduo foi deportado pela Holanda no ano passado por usar documentos brasileiros falsos para entrar no país.
O ministro da Justiça brasileiro, Flávio Dino, anunciou em sua conta no Twitter, em 27 de julho, que o governo havia decidido não conceder o pedido de extradição do suposto espião russo Sergey Cherkasov para os Estados Unidos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está analisando outro pedido de extradição do mesmo cidadão apresentado pela Rússia. Alguns observadores consideram o pedido uma manobra da Rússia para extrair um agente em dificuldades.
As autoridades russas afirmam que ele é procurado na Rússia por tráfico de drogas.
Cherkasov já expressou seu desejo de cumprir a pena em uma prisão russa.
"O parecer técnico do Ministério da Justiça, acerca de dois pedidos de extradição, é baseado em tratados [internacionais] e na Lei 13.445/2017", tuitou Dino.
No momento, Cherkasov "permanecerá preso no Brasil", disse Dino.
O anúncio da decisão do governo brasileiro coincidiu com uma surpreendente redução da pena em 27 de julho.
Cherkasov, de 37 anos, foi condenado em julho de 2022 a 15 anos de prisão no Brasil por roubo de identidade e fraude. Ele foi descoberto pelas autoridades holandesas em abril de 2022 e deportado para o Brasil para responder às acusações.
Um tribunal de São Paulo reduziu a sentença de Cherkasov para cinco anos e dois meses, tornando-o apto a cumprir o restante da pena em regime semiaberto nos próximos dias.
Apesar da redução da pena, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin alertou, no dia 28 de julho, que uma decisão final sobre o caso não será tomada até a conclusão da investigação sobre espionagem no Brasil.
Cherkasov permanecerá em um pavilhão especial no presídio de Brasília, o que tranquilizou os investigadores da polícia que temiam que ele escapasse,de acordo com o site de notícias Metrópoles.
O mesmo site informou que a diplomacia brasileira está conduzindo o caso com "discrição e cautela" para evitar uma crise entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e os governos de Washington e Moscou.
Quem é o suposto espião?
Usando uma identidade brasileira falsa, Cherkasov obteve um mestrado no campus da Universidade Johns Hopkins em Washington, DC, em 2020.
O "agente adormecido" russo foi acionado quando teve início a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, segundo os investigadores. Sua missão teria sido obter acesso a documentos confidenciais relacionados à Ucrânia.
Para atingir esse objetivo, ele candidatou-se a um estágio não remunerado na Corte Internacional de Justiça em Haia.
"A ameaça representada por este oficial de inteligência é considerada potencialmente muito alta", disse a agência de segurança holandesa AIVD,em uma declaração de junho de 2022.
As autoridades de imigração holandesas descobriram o disfarce e o deportaram para o Brasil.
Cherkasov se envolveu na coleta ilegal de conteúdo de inteligência nos Estados Unidos, na Irlanda e no Brasil, disse o Departamento Federal de Investigação (FBI) dos Estados Unidos em um relatório ao Brasil. Posteriormente, a Rússia solicitou sua extradição por acusações de tráfico de drogas.
"Durante anos, Cherkasov trabalhou como agente ilegal para um serviço de inteligência russo e cometeu fraude contra os Estados Unidos", disse David Sundberg, diretor adjunto encarregado do escritório do FBI em Washington, em comunicado em março.
O caso russo contra Cherkasov estava inativo desde 2017. Supostamente, Moscou o manteve como um plano de contingência caso ele fosse preso, o que aconteceu na Holanda em 2022.
Cumprindo protocolo diplomático, o Brasil informou ao consulado russo em São Paulo sobre a prisão e extradição de Cherkasov da Holanda. O consulado confirmou sua nacionalidade e identidade russas.
O órgão solicitou formalmente que o Brasil entregasse Cherkasov à segurança russa na embaixada, citando seu "passado criminoso".
Segundo a mídia local, esse pedido causou confusão e surpresa no Brasil.
Operações do agente adormecido
Cherkasov apresentou uma elaborada história falsa ao longo seus anos de fraude.
Em 2010, Cherkasov chegou ao Brasil, alegando ter nascido no país em 1989 e ter crescido na Argentina. Os investigadores descobriram que ele havia nascido em 1985 na Rússia.
"Ele sempre se apresentou como um brasileiro criado na Argentina e fazia aulas de forró - dança típica do Brasil - com uma namorada brasileira", confirmou ao The Edge um representante de uma escola de dança de São Paulo. A identidade da namorada não foi revelada.
O professor de dança, Pheliphe Britto, descreveu-o como uma "pessoa normal, um pouco tímida, mas alegre e ao mesmo tempo reservada". "Nunca imaginamos que ele fosse um espião russo", disse.
Os documentos do FBI fornecidos às autoridades brasileiras revelaram que o local de nascimento de Cherkasov é Kaliningrado, onde sua mãe ainda reside. Também é indicado que Cherkasov pode ter servido no exército russo na juventude.
Enquanto isso, a polícia brasileira confiscou um celular de Cherkasov em sua residência em Cotia, município da periferia de São Paulo, e entregou o aparelho ao FBI.
Outros casos de "agentes adormecidos"
A utilização de identidades brasileiras por supostos espiões russos é uma tendência que não se limita a Cherkasov.
Em outubro, autoridades norueguesas detiveram o militar Mikhail Mikushin, que assumiu o nome José Assis Giammaria para trabalhar como pesquisador na Universidade de Tromso. No entanto, ainda não se sabe se ele realmente viveu no Brasil.
Outro caso de um espião russo que se apresentou como brasileiro, usando o nome de Gerhard Daniel Campos Wittich, veio à tona recentemente. Em janeiro, ele parou de enviar mensagens para sua namorada brasileira durante uma viagem à Malásia, o que a levou a notificar as autoridades.
Campos Wittich era na verdade um agente russo com o sobrenome Shmyrev, informou a inteligência grega em março. Tanto ele quanto sua verdadeira esposa, uma suposta espiã que vivia na Grécia com a identidade de uma criança grega morta, teriam retornado à Rússia.
Na Argentina, as autoridades procuram um cidadão russo que se autodenominava Alexander Verner e trabalhava como tradutor para uma agência governamental. Ele entrou no país sul-americano pela última vez em 27 de março, em um voo da Turkish Airlines procedente de Istambul. Desde então, seu paradeiro é desconhecido.
Mais tarde, foi revelado que ele havia sido "ativado" como agente adormecido e encarregado de coletar informações sobre as capacidades militares argentinas.