Energia
Parque eólico chinês no Equador afetado por corrupção e descrédito
Parque Eólico Minas de Huascachaca é mais um exemplo da rendição do Equador à "diplomacia da armadilha das dívidas" que leva países a contrair débitos insustentáveis e possibilita a indevida influência de Pequim.
![O Parque Eólico Minas de Huascachaca, localizado na região de San Sebastián de Yuluc, no cantão de Saraguro, em Loja, iniciou sua operação comercial em abril. É o maior parque eólico do Equador, com capacidade instalada de 50 megawatts, e pode gerar energia limpa e renovável suficiente para abastecer 90.000 lares. [Electro Generadora del Austro (ElecAustro)]](/gc4/images/2023/09/12/43945-huascachaca1-600_384.webp)
Por Entorno |
QUITO -- O maior parque eólico do Equador, o Minas de Huascachaca, iniciou suas operações comerciais em abril, prometendo reduzir as emissões de dióxido de carbono e gerar cerca de 130 gigawatts/hora (GWh) de energia por ano.
O projeto, porém, está atolado em escândalos desde sua concepção há três anos, quando o governo concedeu o contrato à empresa chinesa Dongfang Electric International (DEC).
Desde então, denúncias de corrupção e tráfico de influência surgiram contra o governo equatoriano e a DEC.
O Minas de Huascachaca é um parque eólico de 50 megawatts (MW) localizado na região de San Sebastián de Yuluc, na província de Loja, no sul do país. Seus 14 rotores de turbinas podem gerar energia elétrica suficiente para abastecer cerca de 90.000 famílias equatorianas.
![Trabalhadores falam durante a fase inicial de construção do maior parque eólico do Equador, o Minas de Huascachaca. O projeto está atolado em escândalos desde sua concepção, em 2020, quando o governo equatoriano concedeu o contrato à empresa chinesa Dongfang Electric International (DEC). [Banco de Desenvolvimento do Equador]](/gc4/images/2023/09/12/43946-elecaustro2-600_384.webp)
No entanto, desde 2020, a DEC, a empresa chinesa que fabrica as turbinas eólicas, e sua subsidiária Dongfang Ecuador, responsável por iniciar e operar o sistema gerador de energia, têm sido acusadas de desvio de dinheiro e tráfico de influência, entre outros crimes.
A Controladoria-Geral do Equador confirmou, em um relatório de julho, que havia diversas irregularidades nos procedimentos nas etapas de pré-contratação, contratação e execução do projeto concedido pela ElecAustro, a empresa de energia elétrica estatal, à DEC.
O relatório da Controladoria detalha uma auditoria realizada de 1º de janeiro de 2019 a 24 de outubro de 2022, relativa ao projeto do parque eólico.
Embora o documento de livre acesso esteja publicado no site da Controladoria, as autoridades judiciais ainda não tomaram medidas com relação às informadas contidas no material.
Práticas corruptas
Francisco Peralvo, assessor jurídico da Câmara Nacional de Transporte Pesado e Meio Ambiente do Equador (Canatrape), diz que o relatório marca o começo do que pode evoluir para uma longa batalha judicial.
"As irregularidades apontadas pela... Controladoria-Geral e as que constam neste relatório são apenas a ponta do iceberg", afirmou, em entrevista à Radio City em 24 de agosto. "Um precedente desastroso foi definido em uma licitação pública ao se permitir a concessão de um contrato que não cumpria todos os requisitos legais."
Peralvo, advogado com experiência em compras públicas, destacou que as irregularidades no processo de contratação do projeto Minas de Huascachaca poderiam resultar em prejuízos de US$ 1,2 milhão (R$ 5,9 milhões) ao Estado, além de multas adicionais.
O site de notícias independente Código Vidrio desempenhou um papel fundamental ao revelar as irregularidades do processo de contratação.
Em entrevista à FM Mundo Live em julho, o editor do site, Arturo Torres, afirmou que esta não é a primeira vez que as empresas estatais chinesas operam no Equador violando regras e de maneira desleal.
As empresas chinesas no Equador foram acusadas de superfaturamento, uso de materiais de qualidade inferior e envolvimento em práticas de corrupção, disse ele. Apesar dessas alegações, "as autoridades não tomam nenhuma providência", afirmou.
A situação levou a uma sensação de impunidade das empresas chinesas, incentivando-as a continuar com as irregularidades, segundo Torres.
O jornalista também enfatizou que essas irregularidades são conhecidas desde o começo do processo, pois as empresas nacionais são excluídas sistematicamente em favor das internacionais.
Torres concluiu afirmando que operar sob o manto da impunidade tem sido consistentemente "o modus operandi das empresas chinesas no país".
Segundo ele, as "incontáveis irregularidades que têm sido cometidas neste projeto são todas para o benefício de empresas estrangeiras".
Em longo prazo, esse favoritismo das empresas estrangeiras desestimula a concorrência saudável, argumentou Torres.
Uma extensa lista de irregularidades
Desde o começo do projeto, reclamações sobre a aparente falta de transparência e eficiência no processo de contratação eram generalizadas.
Como o Equador não fabrica turbinas eólicas, uma licitação foi aberta em 2019 para adquiri-las de fornecedores estrangeiros.
Porém, conforme a reportagem do Código Vidrio, o então dirigente da ElecAustro, Antonio Borrero, ignorou a ideia de divulgar o anúncio da licitação na mídia internacional, restringindo significativamente a participação de candidatos potenciais.
Como consequência dessas preocupações, ações judiciais foram encaminhadas na Procuradoria-Geral em Guayaquil e Quito em 2021.
O Equador concedeu à DEC o contrato para fabricação, fornecimento, transporte marítimo e entrega, no Equador, de turbinas eólicas, torres e equipamentos associados ao parque eólico.
O contrato foi assinado em 29 de abril de 2020, pelo valor total de US$ 45,6 milhões (R$ 553 milhões), segundo reportagem do site Periodismo de Investigación.
O orçamento inicial do Parque Eólico Minas de Huascachaca era de US$ 112 milhões (R$ 553 milhões), financiados com recursos da ElecAustro e de um empréstimo do Banco de Desenvolvimento do Equador de US$ 54,9 milhões (R$ 271 milhões)
As turbinas eólicas fabricadas pela DEC deixaram a China a bordo do navio Tai Xing em 21 de dezembro de 2021.
Porém, com a chegada do navio ao Equador em 24 de janeiro de 2022, as autoridades descobriram que apenas 14 das 16 turbinas eólicas prometidas haviam desembarcado.
Essa discrepância foi confirmada por Borrero à Comissão de Inspeção. Ele alardeou o número reduzido de turbinas como uma realização de sua gestão, justificando que havia reduzido os custos do projeto.
População excluída
Ao mesmo tempo, em uma estranha reviravolta, o contrato de "serviços relacionados" incluía uma provisão nos documentos da licitação que permitia à empresa vencedora, nesse caso a DEC, selecionar ela própria a empresa que executaria os serviços.
Essa condição implicava que, após a entrega dos equipamentos, a DEC poderia, através da ElecAustro e sob um "regime especial", selecionar e contratar uma empresa local de sua escolha para realizar as obras.
Porém, em vez de escolher uma empresa equatoriana, a empresa chinesa criou uma empresa-fantasma no Equador, chamada de Compañía Anónima Dongfang Electric Ecuador -- e, mais uma vez, excluiu os empreendedores locais.
As irregularidades na contratação do Parque Eólico Minas de Huascachaca somaram-se à falta de respostas das autoridades competentes e lançaram suspeitas quanto à integridade e transparência dos processos de licitação pública no Equador, especialmente quando os beneficiários são as empresas estatais chinesas.