Por Giselle Alzate | 2023-08-17

SAN JOSÉ -- A chegada do Acordo de Livre Comércio (ALC) entre China e Nicarágua pode ser mais um fracasso, a exemplo de acordos comerciais anteriores chineses com outros países da América Latina, alertam economistas e outros observadores.

Autoridades de ambos os países anunciaram a conclusão, "com êxito", das conversas sobre o ALC em julho e a expectativa de que o pacto entre em vigor em janeiro.

No fórum "China na América Latina: Realidade e Tendências na Costa Rica e América Central", realizado em San José em 1º de agosto, analistas questionaram os poucos resultados de acordos comerciais com a China, mais especificamente com a Costa Rica.

A China é a principal beneficiária dos acordos comerciais com a América Latina, com base em estatísticas de comércio exterior e relatórios sobre fundos de investimento direto (fundos DI) de vários países latino-americanos, segundo o portal Expediente Público, disse Margaret Myers, diretora do Programa Ásia e América Latina no Diálogo Inter-Americano.

A Costa Rica exportou US$ 81,15 milhões (R$ 404,127 milhões) em produtos para a China em 2011, quando entrou em vigor o ALC com o país asiático. Em 2022, esse número atingiu US$ 462 milhões (R$ 2,3 bilhões), segundo o Promotor do Comércio Exterior da Costa Rica (PROCOMER), agência do Ministério do Comércio Exterior do país.

A importações para a Costa Rica da China aumentaram significativamente desde que o ALC entrou em vigor. No primeiro ano do acordo, a Costa Rica importou US$ 1,95 bilhão (R$ 9,71 bilhões) em produtos da China. Em 2022, esse número saltou para US$ 3,1 bilhões (R$ 15,43 bilhões), um aumento de mais de 60%.

Esse desequilíbrio comercial mostra que o ALC não beneficiou a Costa Rica da mesma forma e que o país ainda é vulnerável ao poder econômico chinês.

Enquanto isso, o investimento chinês na Costa Rica é baixo. Na última década, a China investiu apenas US$ 32 milhões (R$ 159 milhões) na Costa Rica, o que representa apenas 0,1% de todo o investimento estrangeiro direto que o país recebeu no período.

A Nicarágua pode sofrer ainda mais em razão do ALC com a China do que a Costa Rica, segundo especialistas presentes no fórum.

Isso porque o presidente Daniel Ortega destruiu os pequenos negócios da Nicarágua e sua capacidade de exportação e seu regime autoritário não tem o prestígio democrático da Costa Rica.

A relação econômica da China com a América Central fica em segundo plano frente ao seu interesse estratégico na região, disse Myers. A China está interessada na geografia centro-americana, o que inclui o Canal do Panamá e a proximidade com os Estados Unidos.

Escândalos de corrupção

É comum que os países não obtenham o que esperam das negociações com a China, disse María Catalina Micolta, pesquisadora da Fundação Andrés Bello, no fórum.

Em sua pesquisa, Micolta descobriu que a maioria dos projetos que a China propôs executar na Venezuela entre 2008 e 2022, por um valor de quase US$ 50 bilhões (R$ 249 bilhões), nunca se materializou. Essa gritante ausência provavelmente seja resultado de uma combinação de fatores, como a crise econômica da Venezuela, a mudança nas prioridades chinesas e corrupção.

"Dos 81 projetos financiados pela China na Venezuela em 15 setores estratégicos da economia, quase… 57% não foram concluídos", disse Micolta no fórum, segundo matéria publicada no jornal nicaraguense La Prensa em 4 de agosto.

A falta de transparência na Nicarágua é um dos principais atrativos para as empresas chinesas, que se envolveram em vários escândalos de corrupção na América Latina, disse ela. Essas empresas foram acusadas de ocultação de informações, suborno, tráfico de influência, desvios de fundos e várias outras práticas de corrupção.

Outra investigação, conduzida pela Fundação Andrés Bello na Colômbia, no Equador, na Bolívia, na Venezuela e no Peru, focou práticas da China Harbor, subsidiária da China Communication Construction Company, disse Micolta. A China Harbor esteve envolvida em corrupção em oito projetos nesses países, incluindo tráfico de influência e suborno, de acordo com a investigação.

China ainda mais rica

A assinatura, em julho, do quadro do ALC entre Nicarágua e China "é um evento que deve ser analisado profundamente", disse a ativista nicaraguense Alexa Zamora ao site 100% Noticias. "A China tem uma estratégia na América Latina de exercer e ampliar sua influência nos aspectos comercial, econômico, de infraestrutura, cultural e político", afirmou.

O modelo de investimento da China na Nicarágua só beneficiará as empresas chinesas. Os empréstimos que a Nicarágua terá de pagar não vão gerar os benefícios econômicos esperados para o país, e o ALC só vai enriquecer a China às custas do povo nicaraguense, previu Zamora. O ALC "não representará nenhum tipo de estímulo econômico à indústria ou ao desenvolvimento de infraestrutura na Nicarágua", disse.

Nicarágua e China estabeleceram relações diplomáticas em 2021, depois que Manágua rompeu os laços com Taiwan e os trocou por seu reconhecimento a Pequim.

Desde então, os dois lados assinaram vários pactos para promover o investimento chinês no país centro-americano.