Sociedade
Observadores de estrelas migram para o Parque Estadual do Desengano no Brasil em busca de céus mais escuros
Parque Estadual do Desengano no Brasil é o primeiro "Parque Internacional de Céu Escuro" da América Latina. Sem poluição luminosa, os visitantes podem ver até 3.000 estrelas a olho nu.
![Desengano é o primeiro "Parque Internacional de Céu Escuro" da América Latina, conforme a designação do rastreador global de poluição luminosa Dark Sky. [Samir Mansur e Camila Becker / Instituto Estadual do Ambiente]](/gc4/images/2023/07/27/43192-brazil111-600_384.webp)
AFP |
SANTA MARIA MADALENA, BRASIL - Impressionado com os tons de laranja e azul do aglomerado estelar Caixa de Joias, parte da constelação do Cruzeiro do Sul, Pedro Froes consegue pronunciar algumas palavras: "É incrível".
Froes observa as estrelas de um telescópio no Parque Estadual do Desengano, uma área rural do Brasil poupada da poluição luminosa localizada cerca de 260 quilômetros (160 milhas) ao norte do Rio de Janeiro.
O Desengano é o primeiro "Parque Internacional de Céu Escuro" da América Latina, conforme designado pelo rastreador global de poluição luminosa DarkSky. E Froes é um dos cada vez mais numerosos "astroturistas" do parque, atraídos por seu isolamento das cidades e pela luz que projetam no céu noturno.
"Daqui, dá para ver 3.000 estrelas por ano a olho nu, sem a ajuda de um instrumento", diz o astrônomo Daniel Mello, do Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
![Observadores de estrelas no Desengano. [Samir Mansur e Camila Becker / Instituto Estadual do Ambiente]](/gc4/images/2023/07/27/43193-brazil222-600_384.webp)
"Em cidades como Rio e São Paulo, é possível ver, no máximo, 200 por ano."
No jardim frontal do parque, localizado na pequena cidade de Santa Maria Madalena, Mello conduz uma sessão de observação pública para cerca de 20 pessoas, apontando com um laser as constelações Cruzeiro do Sul, Escorpião e Centauro.
A noite faz parte de um projeto idealizado por Mello e um grupo de especialistas em turismo, ecologia e fotografia.
A cidade grande mais próxima fica a 120 quilômetros de distância, o que protege o parque -- repleto de vegetação, floresta e montanhas -- da luz artificial.
Isso significa que a Via Láctea é visível a olho nu, mesmo nas noites de luar. Dois telescópios possibilitam a observação de estrelas mais distantes.
"Sempre gostei de admirar o céu, mas raramente tive a oportunidade de vê-lo como aqui", diz Froes, 22 anos, biólogo de Niterói, cidade próxima do Rio.
Festival anual de estrelas
Cerca de 80% das pessoas na Terra dormem sob céus noturnos poluídos por luz artificial, consequência da modernização e urbanização.
Mas, além de ofuscar as estrelas, a poluição luminosa tem efeitos ambientais negativos – resultando em humanos inquietos e aves migratórias desorientadas, além de causar problemas reprodutivos para outras espécies.
Na América Latina, a única outra área reconhecida pela organização DarkSky fica no Vale do Elqui, no Chile, classificado como "santuário".
Ao contrário do Chile, da Europa ou dos Estados Unidos, o astroturismo no Brasil ainda está engatinhando.
Mas cada vez mais astrônomos têm feito caminhadas até Santa Maria Madalena, "principalmente nos últimos seis meses", diz Nelson Saraiva. Ele administra um dos poucos hotéis na cidade de 10.000 habitantes, onde a maioria dos moradores são agricultores.
Saraiva, professor aposentado, está convencido de que o astroturismo pode trazer um grande benefício econômico para a comunidade. Além das sessões de observação de Mello, há encontros mensais que mesclam astronomia e gastronomia.
Governo e empresários locais se uniram para organizar um festival de estrelas para aproveitar o crescente interesse turístico. A primeira edição foi promovida em setembro passado, e há planos de repetir o evento neste outono (hemisfério norte), tornando-o uma tradição anual.
Equilíbrio ecológico
Para obter a certificação da DarkSky, o Parque do Desengano também teve de se comprometer com a promoção da educação ambiental, além do uso de iluminação de baixo impacto.
Iniciativas desse tipo são boas para o céu, mas também têm impactos concretos sentidos mais perto de casa.
“Temos uma diversidade enorme de aves, mamíferos e répteis que só estão aqui porque o local está preservado”, diz a gerente de pesquisa do parque, a bióloga Carlota Enrici.
"Reduzir a poluição luminosa mantém o ecossistema em equilíbrio."
O astrônomo Mello espera que outros lugares do Brasil possam seguir o modelo do Desengano, o que não só ampliaria o turismo, mas também "resgataria o contato das pessoas com o céu estrelado e com a natureza".