Economia

Comunidades indígenas lutam contra mineração chinesa na Justiça e na selva

Mineradora chinesa enfrenta batalha judicial por suposta contaminação de três rios e por não ter consultado as comunidades indígenas.

Mulheres do grupo indígena Kichwa participam da "Guayusa Upina" (cerimônia ancestral do chá guayusa) em Serena, na província de Napo, no Equador, em 30 de junho. Operadores de turismo e membros da comunidade se opõem à mineração em andamento no rio Jatunyaçu devido à destruição e à poluição resultantes da atividade. [Armando Prado/AFP]
Mulheres do grupo indígena Kichwa participam da "Guayusa Upina" (cerimônia ancestral do chá guayusa) em Serena, na província de Napo, no Equador, em 30 de junho. Operadores de turismo e membros da comunidade se opõem à mineração em andamento no rio Jatunyaçu devido à destruição e à poluição resultantes da atividade. [Armando Prado/AFP]

Por AFP e Entorno |

RIO JATUNYACU, Equador -- Sentadas perto de uma fogueira, as mulheres Kichwa relembram o dia em que enfrentaram garimpeiros que tiveram seus barcos encalhados ao longo do rio Jatunyacu há três anos. Desde então, as mulheres patrulhavam o rio em busca de atividades ilegais de mineração e recorreram aos tribunais superiores para contestar as licenças de mineração.

“Nós nos armamos com lanças feitas de paus e cartazes e corremos para cá para ver o que estava acontecendo”, disse Yuturi Warmi, membro da guarda indígena da província de Napo.

Acompanhada de um grupo de mulheres, ela contou como foi o dia, há 18 meses, em que garimpeiros chegaram oferecendo dinheiro ao então presidente da comunidade em troca de permissão para explorarem suas terras.

"Não vamos deixar as mineradoras ou garimpeiros ilegais entrarem, mesmo que isso signifique nossa morte", disse a mulher, que pediu para não ser identificada para proteger sua segurança.

Mineiros trabalham às margens do rio Jatunyacu, no setor Santa Rosa, na província amazônica de Napo, no Equador, em 29 de junho. [Armando Prado/AFP]
Mineiros trabalham às margens do rio Jatunyacu, no setor Santa Rosa, na província amazônica de Napo, no Equador, em 29 de junho. [Armando Prado/AFP]

Enquanto a comunidade de Serena resiste à entrada da mineração, a situação rio abaixo é diferente. A Ouvidoria de Napo identificou mais de 30 frentes de exploração às margens do rio Jatunyaçu, onde também é praticado o turismo de aventura em razão das correntes rápidas e da paisagem.

Uma viagem de 21 km ao longo do rio revela um cenário de destruição. Inúmeras clareiras interrompem a densa vegetação, resultado de escavadeiras que vêm devastando a selva.

Indígenas aguardam a decisão da Corte Constitucional sobre a ação extraordinária de tutela que ajuizaram na tentativa de barrar o garimpo na província, reverter as concessões e reduzir o desmatamento.

A mineração já afugentou os turistas, e os indígenas temem que isso prejudique ainda mais a floresta e o seu modo de vida.

O barulho das máquinas e a destruição da paisagem são um pesadelo para os habitantes de Shandia, uma pequena comunidade que vive do turismo.

“O cemitério da mineração ilegal não é mais uma atração turística”, disse Andrés Rojas, delegado provincial da Ouvidoria. "As pessoas não querem pagar dois ou três dólares para ver uma paisagem de destruição."

"O barulho é horrível, a terra treme, à noite é pior... Ficamos com medo quando os turistas vêm, porque ouvimos que eles não querem mais vir", disse a artesã Graciela Grefa, de 64 anos, à AFP.

Batalha jurídica

A devastação causada pela mineração em Napo piorou em 2020. Rojas, delegado provincial da Ouvidoria, disse que, embora a atividade seja realizada na província "há 25 ou 30 anos, o público ficou alarmado ao saber que uma única empresa conseguiu a concessão de 7.125 hectares de terras" para mineração.

As áreas ao redor do rio Jatunyacu são em sua maioria concedidas à mineradora chinesa Terraearth, que enfrenta uma batalha jurídica que chegou ao Tribunal Constitucional.

A Ouvidoria e ONGs acusam a Terraearth de contaminar três rios e de não consultar as comunidades indígenas antes de iniciar as operações de mineração.

Mas os habitantes de Napo também enfrentam a ameaça das máfias de mineradores ilegais, que acusam de serem aliadas da Terraearth e de subornarem populações para explorarem suas terras.

A Terraearth apresenta-se nas redes sociais como uma empresa “ambientalmente responsável” que “contribui para a reflorestação de áreas exploradas por garimpeiros ilegais”.

Yutzupino foi o epicentro do garimpo irregular em Napo até dezembro de 2022. Segundo a Fundação Ecociência, que faz monitoramento por satélite da Amazônia, 125 hectares de terras foram ocupados para extração de ouro, uma área equivalente a 88 campos de futebol.

O garimpo irregular continuou crescendo até fevereiro deste ano, quando uma operação policial apreendeu 148 escavadeiras em uma área de 180 hectares.

Sebastián Araujo, geocientista da universidade pública de Ikiam, descobriu que os níveis de cobre, chumbo e cromo na região são alarmantemente altos e classificados como "altamente poluentes".

Esses níveis superam os limites permitidos pelas normas ambientais, uma consequência preocupante da mineração ilegal na região.

"Cemitério" da mineração

Em uma região onde a presença do Estado é escassa e a pobreza é enorme, os moradores locais realizam uma forma tradicional de mineração de ouro há décadas. Eles pagam US$ 1 para entrar nas áreas de mineração e raspar um pouco de ouro que lavam em suas vasilhas. Essa atividade tem pouco impacto ambiental porque não utiliza maquinários pesados ou produtos químicos.

“Eles entravam nas crateras deixadas pelos escavadores, na esperança de encontrar o pó de ouro que havia sido deixado para trás”, disse Rojas.

Alba Aguinaga, socióloga do Ikiam, aponta que, após a invasão de garimpos ilegais, os garimpeiros foram estigmatizados por supostamente apoiarem essas máfias.

“Se você não tem emprego, se está em condições financeiras difíceis, não há muitas outras opções além de aceitar uma pequena remuneração em troca de trabalho ilegal”, disse ela.

“Além disso, não há política pública que apoie a sobrevivência” das comunidades e dos garimpeiros, acrescentou Aguinaga.

“A capacidade operacional de reação do Estado é insuficiente diante da organização dos garimpeiros ilegais”, disse Rojas.

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