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TASS oferece esquema "trabalhe agora, receba depois" a jornalistas latino-americanos

No momento, a única forma de jornalistas latino-americanos receberem seus salários é viajar para Moscou, onde fica a sede da TASS, mas o custo é quase proibitivo.

Logo da agência de notícias russa ITAR-TASS adorna a fachada de sua sede em Moscou em 5 de maio de 2016. Cinco anos depois, em dezembro de 2021, a agência estatal apresentou seu serviço de notícias "Tass em Espanhol". [Joel Saget/AFP]
Logo da agência de notícias russa ITAR-TASS adorna a fachada de sua sede em Moscou em 5 de maio de 2016. Cinco anos depois, em dezembro de 2021, a agência estatal apresentou seu serviço de notícias "Tass em Espanhol". [Joel Saget/AFP]

Por Juan Camilo Escorcia |

BOGOTÁ -- A TASS, a mais antiga agência estatal de notícias russa, apresentou uma proposta incomum a seus correspondentes na América Latina, em meio a dificuldades financeiras provocadas pelas sanções do Ocidente. A oferta: "trabalhe agora, receba depois".

Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções abrangentes contra a Rússia, depois que as forças de Vladimir Putin invadiram a Ucrânia em fevereiro de 2022.

"A TASS está pagando os salários integralmente, mas os jornalistas latino-americanos que trabalham fora da Rússia não podem recebê-los porque o dinheiro está preso na Rússia por conta das sanções internacionais", disse um jornalista da TASS na América Latina, sob anonimato. "É um problema que já afeta nossos colegas há vários meses."

Os bancos russos estão bloqueados no exterior, então seus cartões não funcionam fora da Rússia. Isso quer dizer que, por enquanto, a única forma de os jornalistas latino-americanos receberem seus salários é viajar até Moscou, onde fica a sede da TASS, acrescentou o jornalista.

Mulher ajeita seu chapéu de sol ao passar por placas mostrando taxas de câmbio de dólar americano e euros em relação ao rublo russo em Moscou, em 6 de julho, enquanto a moeda russa despencava ao seu menor valor desde março de 2022. [Natalia Kolesnikova/AFP]
Mulher ajeita seu chapéu de sol ao passar por placas mostrando taxas de câmbio de dólar americano e euros em relação ao rublo russo em Moscou, em 6 de julho, enquanto a moeda russa despencava ao seu menor valor desde março de 2022. [Natalia Kolesnikova/AFP]

Segundo o jornalista, a TASS abriu contas bancárias em Moscou para que seus correspondentes estrangeiros possam sacar seus salários acumulados quando viajarem à Rússia. Mas a agência não cobre a viagem, nem a hospedagem.

Para muitos jornalistas, a única forma de receber seus salários é viajar à Rússia a cada três ou quatro meses, o que pode ser um fardo financeiro significativo, especialmente no caso dos profissionais que já lutam para sobreviver.

Por exemplo, uma passagem aérea de ida e volta para a Rússia de países como Colômbia, Equador ou Peru custa US$ 3.500 (R$ 16.700) em média -- ou cerca de US$10.500 (R$ 50.200) por ano.

"É um exemplo clássico do ditado: 'é preciso perder para ganhar'", disse o jornalista. "Neste caso, os jornalistas têm de gastar quase dois meses de salário em passagens aéreas e hospedagem em Moscou para receber seus salários pelos meses trabalhados."

Além disso, os salários são pagos em rublos, uma moeda que perdeu em média 16% do seu valor frente ao dólar americano e 13% em relação ao euro desde o início deste ano.

"Hoje, € 1 equivale a 100 RUB, o que é muito ruim para nós, pois nossos salários valem cada vez menos", disse outro jornalista latino-americano que presta serviços para a TASS fora da Rússia.

"Estamos perdendo o poder de compra e está ficando cada vez mais difícil fazer frente às despesas", disse o jornalista.

"A situação não está nada fácil para nós. Ou aceitamos as condições de trabalho da agência agora e recebemos os salários meses depois em Moscou, ou pedimos demissão", acrescentou o jornalista. "Mas se demitir é um luxo a que poucos de nós podem se dar."

Condições de trabalho difíceis

De fato, segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgadas em fevereiro, o desemprego na América Latina e no Caribe deve atingir 6,7% até o final de 2023 -- percentual significativamente mais alto que a média global de 5,3%.

O mercado de trabalho latino-americano deve se manter "altamente complexo e incerto" no restante de 2023, segundo a OIT. Isso se deve a várias crises globais, entre as quais a pandemia da COVID-19, a Guerra na Ucrânia e a alta inflação.

Diante do desolador panorama de emprego, não surpreende que muitos jornalistas latino-americanos que trabalham para a TASS continuem prestando serviços à agência, apesar das dificuldades em receber os salários.

"É melhor ter um trabalho do que não ter nenhum, mas também é verdade que ter de viajar a Moscou periodicamente para receber o salário acumulado também não é lucrativo", disse outra fonte ligada à agência na América Latina.

"O dinheiro dura em média três ou quatro meses até termos de retornar à Rússia."

"Outra opção que a agência oferece é viajar para Moscou como turista e ficar por três ou mais meses", disse ele. "Enquanto estivermos por lá, podemos trabalhar, receber os pagamentos, trocar por dólares ou euros e depois deixar o país com o dinheiro no bolso."

Questionada sobre a proibição de trabalho representada pelo visto de turista, a fonte disse que, "na Rússia, tudo pode ser feito de várias formas, ainda mais com o apoio de uma agência estatal como a TASS".

A fonte explica que os chefes da TASS estão cientes da situação dos correspondentes, pois o Serviço de Segurança Federal (FSB) os investiga antes de serem contratados para descartar quaisquer riscos à Rússia.

Isso, segundo a fonte, "é um endosso para trabalhar em território russo com ou sem visto de trabalho".

A Escolha de Hobson

Os jornalistas da TASS consultados sobre o assunto disseram que estão explorando alternativas para garantir que seus salários cheguem à América Latina sem que precisem arcar com o custo excessivo de viagens frequentes para Moscou.

Mas todos correm riscos.

Uma opção que eles estão considerando é usar suas contas bancárias em Moscou para fazer transferências a jornalistas europeus que trabalham na Rússia para a TASS ou outras agências estatais, como RT e Sputnik.

Esses jornalistas europeus viajam frequentemente para seus países de origem, onde podem trocar rublos por dólares ou euros.

Segundo uma das fontes, "assim que o dinheiro é trocado e o jornalista europeu retorna ao seu país natal, como Espanha ou França, ele pode fazer a transferência para a conta do jornalista latino-americano de qualquer banco sem nenhum problema".

No entanto, essa opção não só requer um alto nível de confiança, como também exige que os jornalistas latino-americanos arquem com os impostos e outros custos de serviços de intermediação bancária internacional.

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