Educação
Promessa quebrada da China Railway: apenas 20 de 200 escolas previstas foram construídas no Equador
Acordos de empréstimo da China com o Equador deram a Pequim uma influência significativa sobre Quito, levando alguns a acusar a China de diplomacia da armadilha da dívida.
![Uma menina e um menino retornam da escola por uma rua da cooperativa Ciudad de Dios, no setor Monte Sinai de Guayaquil, Equador, em 26 de julho passado. [Marcos Pin/AFP]](/gc4/images/2023/07/19/43062-ecuador-china-600_384.webp)
Por Giselle Alzate |
QUITO – Quando o Ministério da Educação do Equador assinou em 2015 um contrato sem licitação com a China Railway para construir 200 escolas pré-fabricadas por US$ 196 milhões, a expectativa era que as obras fossem concluídas em 21 meses.
Mas, oito anos depois, a China Railway entregou apenas 50 escolas, e apenas 20 delas estão funcionando.
A não entrega das escolas previstas no contrato teve um impacto significativo no sistema educacional equatoriano e resultou em custosos processos judiciais.
"Vamos construir o que chamamos de 'Escolas do Século 21', pré-fabricadas, com materiais antissísmicos, térmicos e antirruídos de alta qualidade", anunciou o então presidente Rafael Correa em setembro de 2016. "Cada uma custará menos de US$ 1 milhão, e elas podem ser construídas em apenas três meses, com os materiais já nos locais."

Uma investigação das mídias digitais Código Vidrio e Revista Vistazo apurou que o governo Correa havia assinado um acordo com o objetivo de construir 200 Escolas do Século 21 antes do fim de seu mandato, em 2017.
Além de construir 200 escolas pré-fabricadas, a China Railway havia se comprometido a instalar uma fábrica de materiais de construção para essas escolas e casas.
A investigação da imprensa, publicada em 30 de junho, constatou que, na época da promessa de Correa, mais de um ano havia se passado desde a assinatura do contrato e nenhuma escola havia sido construída.
O projeto Escolas do Século 21 estava vinculado a um empréstimo com o Bank of China Limited, a exemplo de muitos outros projetos assinados com empresas chinesas no governo de Correa.
Seis anos após a assinatura do contrato, a Controladoria do Equador emitiu um relatório que apurou diversas irregularidades no processo de contratação. O relatório concluiu ainda que a empresa chinesa não cumpria os "requisitos de experiência" para o projeto.
Foi apenas no início de 2017, em plena campanha eleitoral, que o governo começou a inaugurar as primeiras Escolas do Século 21 construídas pela China Railway.
Antes disso, o governo equatoriano não havia criticado ou questionado a China Railway por não ter construído a infraestrutura.
Segundo analistas, isso se deve à grande dependência, por parte do governo, dos empréstimos chineses. O governo Correa relutava em comprometer sua relação com a China, que era sua principal fonte de financiamento.
"Inconsistências e omissões"
No entanto, com a chegada do governo de Lenin Moreno (2017-2021), o Ministério da Educação iniciou a rescisão unilateral do contrato com a China Railway.
Na época, considerou-se que a empresa havia descumprido o acordo e teria usado materiais de baixa qualidade nas escolas construídas.
O governo, então, aceitou apenas 20 das 50 escolas construídas, enquanto o restante ficou sob custódia da empresa chinesa.
Citando a rescisão unilateral do contrato pelo governo equatoriano, a China Railway entrou com uma ação judicial. A empresa está exigindo, em reparação de danos, um total de US$ 100 milhões, valor que alega ter investido no projeto.
De acordo com os documentos do processo contratual, a China Railway construiu 50 das 200 escolas prometidas entre dezembro de 2016 e dezembro de 2017. Além disso, aplainou 10 terrenos, mas nenhuma infraestrutura foi construída neles, apontou o relatório.
"Foram encontradas inconsistências e omissões. Algumas escolas foram recebidas por necessidade e com registros provisórios, mesmo havendo riscos de infraestrutura", disse Roberto Acosta, coordenador jurídico do Ministério da Educação, destacando que não ocupava esse cargo quando começou o litígio entre as partes.
A Controladoria constatou diversas irregularidades na construção das Escolas do Século 21, entre as quais o fato de a China Railway não “entregar as unidades educacionais de acordo com o cronograma estabelecido”.
O prazo final de entrega era 9 de junho de 2018 e não foi cumprido pela empresa, o que resultou em multa de US$ 29 milhões.
A empresa chinesa, por sua vez, afirma que os terrenos não foram entregues a tempo para a instalação das escolas pré-fabricadas e que o solo não era adequado para a sua instalação.
Correa foi condenado "in absentia" (sem estar presente no julgamento), em 2018, a oito anos de prisão por suborno. A sentença foi confirmada pela Suprema Corte do Equador em 2020, mas Correa continua foragido e vive como refugiado político na Bélgica.
Durante seu mandato, Correa assinou vários contratos de construção de infraestrutura com empresas chinesas, e bancos chineses emprestaram bilhões de dólares ao Equador.
Desde então, esses empréstimos criaram um sério problema de dívida para o Equador, que teve de renegociar acordos de pagamento com a China por infraestruturas de má qualidade, como a represa Coca Codo Sinclair.