Educação

Promessa quebrada da China Railway: apenas 20 de 200 escolas previstas foram construídas no Equador

Acordos de empréstimo da China com o Equador deram a Pequim uma influência significativa sobre Quito, levando alguns a acusar a China de diplomacia da armadilha da dívida.

Uma menina e um menino retornam da escola por uma rua da cooperativa Ciudad de Dios, no setor Monte Sinai de Guayaquil, Equador, em 26 de julho passado. [Marcos Pin/AFP]
Uma menina e um menino retornam da escola por uma rua da cooperativa Ciudad de Dios, no setor Monte Sinai de Guayaquil, Equador, em 26 de julho passado. [Marcos Pin/AFP]

Por Giselle Alzate |

QUITO – Quando o Ministério da Educação do Equador assinou em 2015 um contrato sem licitação com a China Railway para construir 200 escolas pré-fabricadas por US$ 196 milhões, a expectativa era que as obras fossem concluídas em 21 meses.

Mas, oito anos depois, a China Railway entregou apenas 50 escolas, e apenas 20 delas estão funcionando.

A não entrega das escolas previstas no contrato teve um impacto significativo no sistema educacional equatoriano e resultou em custosos processos judiciais.

"Vamos construir o que chamamos de 'Escolas do Século 21', pré-fabricadas, com materiais antissísmicos, térmicos e antirruídos de alta qualidade", anunciou o então presidente Rafael Correa em setembro de 2016. "Cada uma custará menos de US$ 1 milhão, e elas podem ser construídas em apenas três meses, com os materiais já nos locais."

Uma das 200 "Escolas do Século XXI" que o então presidente Rafael Correa prometeu construir, mostrada em captura de tela da Ecuavisa. Apenas 20 das 50 escolas construídas pela China Railway foram aceitas pelo Ministério da Educação. As outras 30 instituições de ensino foram consideradas inseguras devido a problemas de construção.
Uma das 200 "Escolas do Século XXI" que o então presidente Rafael Correa prometeu construir, mostrada em captura de tela da Ecuavisa. Apenas 20 das 50 escolas construídas pela China Railway foram aceitas pelo Ministério da Educação. As outras 30 instituições de ensino foram consideradas inseguras devido a problemas de construção.

Uma investigação das mídias digitais Código Vidrio e Revista Vistazo apurou que o governo Correa havia assinado um acordo com o objetivo de construir 200 Escolas do Século 21 antes do fim de seu mandato, em 2017.

Além de construir 200 escolas pré-fabricadas, a China Railway havia se comprometido a instalar uma fábrica de materiais de construção para essas escolas e casas.

A investigação da imprensa, publicada em 30 de junho, constatou que, na época da promessa de Correa, mais de um ano havia se passado desde a assinatura do contrato e nenhuma escola havia sido construída.

O projeto Escolas do Século 21 estava vinculado a um empréstimo com o Bank of China Limited, a exemplo de muitos outros projetos assinados com empresas chinesas no governo de Correa.

Seis anos após a assinatura do contrato, a Controladoria do Equador emitiu um relatório que apurou diversas irregularidades no processo de contratação. O relatório concluiu ainda que a empresa chinesa não cumpria os "requisitos de experiência" para o projeto.

Foi apenas no início de 2017, em plena campanha eleitoral, que o governo começou a inaugurar as primeiras Escolas do Século 21 construídas pela China Railway.

Antes disso, o governo equatoriano não havia criticado ou questionado a China Railway por não ter construído a infraestrutura.

Segundo analistas, isso se deve à grande dependência, por parte do governo, dos empréstimos chineses. O governo Correa relutava em comprometer sua relação com a China, que era sua principal fonte de financiamento.

"Inconsistências e omissões"

No entanto, com a chegada do governo de Lenin Moreno (2017-2021), o Ministério da Educação iniciou a rescisão unilateral do contrato com a China Railway.

Na época, considerou-se que a empresa havia descumprido o acordo e teria usado materiais de baixa qualidade nas escolas construídas.

O governo, então, aceitou apenas 20 das 50 escolas construídas, enquanto o restante ficou sob custódia da empresa chinesa.

Citando a rescisão unilateral do contrato pelo governo equatoriano, a China Railway entrou com uma ação judicial. A empresa está exigindo, em reparação de danos, um total de US$ 100 milhões, valor que alega ter investido no projeto.

De acordo com os documentos do processo contratual, a China Railway construiu 50 das 200 escolas prometidas entre dezembro de 2016 e dezembro de 2017. Além disso, aplainou 10 terrenos, mas nenhuma infraestrutura foi construída neles, apontou o relatório.

"Foram encontradas inconsistências e omissões. Algumas escolas foram recebidas por necessidade e com registros provisórios, mesmo havendo riscos de infraestrutura", disse Roberto Acosta, coordenador jurídico do Ministério da Educação, destacando que não ocupava esse cargo quando começou o litígio entre as partes.

A Controladoria constatou diversas irregularidades na construção das Escolas do Século 21, entre as quais o fato de a China Railway não “entregar as unidades educacionais de acordo com o cronograma estabelecido”.

O prazo final de entrega era 9 de junho de 2018 e não foi cumprido pela empresa, o que resultou em multa de US$ 29 milhões.

A empresa chinesa, por sua vez, afirma que os terrenos não foram entregues a tempo para a instalação das escolas pré-fabricadas e que o solo não era adequado para a sua instalação.

Correa foi condenado "in absentia" (sem estar presente no julgamento), em 2018, a oito anos de prisão por suborno. A sentença foi confirmada pela Suprema Corte do Equador em 2020, mas Correa continua foragido e vive como refugiado político na Bélgica.

Durante seu mandato, Correa assinou vários contratos de construção de infraestrutura com empresas chinesas, e bancos chineses emprestaram bilhões de dólares ao Equador.

Desde então, esses empréstimos criaram um sério problema de dívida para o Equador, que teve de renegociar acordos de pagamento com a China por infraestruturas de má qualidade, como a represa Coca Codo Sinclair.

Gostou desta matéria?