Diplomacia

Parceria EUA-América Latina é chave no combate à espionagem chinesa

Uma "base de espionagem" chinesa em Cuba é o exemplo mais recente das crescentes operações de espionagem de Pequim na América Latina.

Vista da entrada de Chinatown (Barrio Chino) em Havana. A base de espionagem da China em Bejucal, Cuba, e seu potencial centro de treinamento militar conjunto com Havana colocam em risco a segurança dos Estados Unidos e da América Latina, alertam analistas. [Yamil Lage/AFP]
Vista da entrada de Chinatown (Barrio Chino) em Havana. A base de espionagem da China em Bejucal, Cuba, e seu potencial centro de treinamento militar conjunto com Havana colocam em risco a segurança dos Estados Unidos e da América Latina, alertam analistas. [Yamil Lage/AFP]

Por Juan Camilo Escorcia |

As incursões da China na América Latina estão levantando preocupações entre as agências de segurança no Hemisfério Ocidental, especialmente as recentes notícias sobre uma "base de espionagem" chinesa e um centro de treinamento militar em Cuba.

Analistas há muito enfatizam a necessidade de uma ação conjunta dos países latino-americanos e dos Estados Unidos para lidarem com os riscos de segurança representados pela presença militar chinesa na região.

Eles enfatizam, no entanto, que tal ação não deve ser vista como uma provocação ou ameaça a Pequim, e sim como uma medida necessária para proteger seus próprios interesses.

"Os EUA precisam de uma resposta mais ampla e coerente à crescente presença da China na América Latina", escreveu James Bosworth, analista político, econômico e de segurança e especialista em América Latina, em 12 de junho, na World Politics Review (WPR).

Um piloto da Força Aérea dos EUA observa um suposto balão de vigilância chinês que pairou sobre a região central dos Estados Unidos em 3 de fevereiro. [Departamento de Defesa dos EUA]
Um piloto da Força Aérea dos EUA observa um suposto balão de vigilância chinês que pairou sobre a região central dos Estados Unidos em 3 de fevereiro. [Departamento de Defesa dos EUA]
Pessoas caminham próximo a uma loja da Huawei ao longo de uma rua de pedestres cercada por lojas e shoppings em Xangai em 12 de outubro. A Huawei, que aparenta ser uma fabricante benigna de telefones celulares e produtos de consumo, na realidade é fortemente apoiada pelo governo chinês e tem laços profundos com o Exército Popular de Libertação. [Hector Retamal/AFP]
Pessoas caminham próximo a uma loja da Huawei ao longo de uma rua de pedestres cercada por lojas e shoppings em Xangai em 12 de outubro. A Huawei, que aparenta ser uma fabricante benigna de telefones celulares e produtos de consumo, na realidade é fortemente apoiada pelo governo chinês e tem laços profundos com o Exército Popular de Libertação. [Hector Retamal/AFP]

"Nessa visão de longo prazo, manter as linhas de comunicação abertas é fundamental, tanto entre os EUA e a China quanto entre os EUA e seus parceiros na região", disse ele.

"Um primeiro passo importante é fazer com que a América Latina se preocupe com o assunto."

Base de espionagem da era soviética

O Wall Street Journal (WSJ) informou, em 8 de junho, que China e Cuba tinham chegado a um acordo secreto para que Pequim estabelecesse uma base de espionagem eletrônica na ilha.

A base de espionagem estaria situada em Bejucal, Cuba, 32 quilômetros ao sul de Havana e a cerca de 160 quilômetros de Miami.

Depois que o jornal noticiou o acordo, o governo cubano negou sua existência, e o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, disse em uma coletiva de imprensa que não tinha conhecimento da situação.

No entanto, um dia depois, Pequim alertou os Estados Unidos sobre "interferir nos assuntos internos de Cuba".

Embora matérias iniciais divulgadas na imprensa tenham indicado que a China estava instalando uma nova base de espionagem em Cuba, o governo dos EUA avaliou essa informação como "imprecisa".

Aparentemente, a China está usando uma antiga base de escuta da era soviética que operou em Bejucal de 1960 a 2002. A base, conhecida como estação Lourdes SIGINT (Signals Intelligence), já foi uma das maiores instalações desse tipo no mundo.

Em 10 de junho, um funcionário da Casa Branca disse à AFP, sob condição de anonimato, que a China opera uma unidade de inteligência em Cuba há anos e a atualizou em 2019, em um esforço para melhorar sua presença na ilha caribenha.

"Isso está bem documentado nos registros de inteligência", disse o funcionário.

Os Estados Unidos alegam que a base é usada para interceptar comunicações eletrônicas dos EUA, de acordo com um documento da Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA de novembro de 2022.

“[O Partido Comunista da China] mantém presença física nas instalações de inteligência da era soviética em Bejucal, no que parece ser uma operação de coleta de sinais de inteligência”, diz o documento da FCC, citando um relatório de 2018 da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China.

"Sejam verdadeiros ou não os relatórios sobre Cuba, há pouca dúvida de que a China está usando a América Latina para espionagem", disse Bosworth.

"Ter uma base de espionagem operando na costa dos Estados Unidos é uma ameaça que [Washington] não pode simplesmente ignorar e deve levar a sério", destacou.

Isso daria a Pequim "uma maior capacidade de monitorar as comunicações dentro dos EUA, incluindo algumas frequências de rádio que não podem ser monitoradas do outro lado do globo", acrescentou.

Washington teme que a base permita que a China monitore o tráfego de navios dos EUA e capture as comunicações a partir do sudeste dos Estados Unidos.

Gigantes chinesas de telecomunicações estão envolvidas

O alarme sobre a base-espiã em Cuba veio depois do incidente com o balão-espião chinês no início deste ano.

O balão passou vários dias sobrevoando a América do Norte, incluindo uma série de locais sigilosos, até que foi derrubado por militares dos EUA em 4 de fevereiro.

Após derrubar o primeiro balão de vigilância chinês sobre o Oceano Atlântico, o governo dos Estados Unidos notificou os países latino-americanos de que um segundo balão estaria sobrevoando seu território.

O segundo "balão de vigilância de alta altitude" chinês sobrevoou a Costa Rica e a Nicarágua, passou pelo território colombiano e entrou na Venezuela, segundo autoridades.

Pequim nega que use balões de espionagem e diz que a enorme aeronave abatida na costa leste dos Estados Unidos era para pesquisa meteorológica, enquanto a que foi avistada na América do Sul era para treinamento de pilotos.

O fiasco do balão provocou um novo foco na maior empresa de tecnologia da China, a Huawei.

A Huawei, aparentemente uma benigna fabricante de telefones celulares e produtos de consumo, na realidade é fortemente apoiada pelo governo chinês e tem laços profundos com o Exército Popular de Libertação.

A Huawei e a ZTE, outra gigante chinesa das telecomunicações, também parecem estar envolvidas com a base de espionagem.

Funcionários dos EUA revisaram trabalhos de inteligência segundo os quais trabalhadores da Huawei e da ZTE entraram e saíram de instalações suspeitas de abrigar operações de espionagem chinesas em Cuba, informou o WSJ em 21 de junho.

Embora a Huawei e a ZTE não sejam conhecidas por produzir ferramentas avançadas de espionagem, elas têm tecnologia que poderia ser usada para facilitar essas operações, incluindo servidores e equipamentos de rede capazes de transmitir dados para a China.

Esforços diplomáticos

Os Estados Unidos devem desenvolver uma estratégia de longo prazo em conjunto com a América Latina para neutralizar a crescente presença da China na região, disse Marcela Prieto, vice-presidente de relações institucionais da Visión Américas, consultoria de relações públicas com sede em Washington.

Em curto prazo, segundo a empresa, Washington deve adotar uma abordagem de "poder duro" na diplomacia. Isso não significa abrir as portas para a guerra, e sim começar a mostrar os dentes e demonstrar que está preparada para responder às ameaças.

No entanto, também é importante manter uma abordagem de "poder brando" para a diplomacia, o que tem sido eficaz em deter parte do avanço da China por meio do diálogo.

Essa é a abordagem que o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, deve manter após sua recente visita a Pequim, disse Prieto.

Blinken alertou os líderes chineses sobre as "profundas preocupações" de seu governo em relação a informações sobre as sensíveis operações de Pequim em Cuba.

"Deixei muito claro que teríamos profundas preocupações sobre a inteligência da RPC [República Popular da China] ou atividades militares em Cuba", disse ele a repórteres em Londres em 20 de junho, após sua viagem a Pequim.

"Isso é algo que vamos monitorar muito, muito de perto, e temos sido bem claros sobre isso", observou. "E protegeremos nossa pátria, protegeremos nossos interesses."

Blinken se encontrou com o presidente Xi Jinping e representantes de política externa da China durante sua visita de dois dias, a viagem de mais alto nível dos EUA ao país asiático em quase cinco anos.

Washington diz que Havana e Pequim estão em negociações "avançadas" para a construção de uma instalação militar na costa norte de Cuba.

Autoridades dos EUA entraram em contato com autoridades cubanas para tentar impedir o acordo, expressando preocupação de que Cuba abriria mão de sua soberania ao permitir que a China construísse uma base militar em seu solo, informou o WSJ em 20 de junho.

No entanto, Blinken enfatizou a importância do diálogo com a China e destacou a "longa relação" entre Xi e o presidente dos EUA, Joe Biden.

"Seria irresponsável não se envolver. Irresponsável porque torna mais provável a possibilidade de mal-entendidos, erros de cálculo e, portanto, conflitos", disse.

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